Estepe
O Dr. Martin Vahl, o bem conhecido botanico e biologo de Copenhague, num interessante trabalho intitulado Zonas e biochoros geograficos, incluíu no dominio das estepes a sociedade de plantas que reveste uma boa parte dos terrenos secos da região inferior da Madeira e na qual o Andropogon hirtum parece ser a especie mais freqüente.
Embora reconheçamos que a deficiencia de aguas meteoricas é em certos anos muito sensivel na Madeira, não podemos perfilhar a opinião do Dr. Vahl, pois que para a delimitação da estepe é necessario não perder de vista certas influencias climaticas, algumas delas perfeitamente locais.
É sabido que em consequência da proximidade do mar e das correntes que entre este e a terra se estabelecem, existe quasi sempre na zona baixa da Madeira uma dose avultada de vapor de água. Este vapor que, mercê das condições térmicas da mesma zona, raras vezes se manifesta sob a forma de névoa, não pode deixar de ser considerado como um auxiliar da vegetação nas épocas em que faltam as precipitações atmosféricas. Como todos os solos são higroscopicos, embora em grau diverso, é evidente que podem tomar directamente da atmosfera a umidade que esta contém, a qual uma vez absorvida deve concorrer de certo modo para alimentar a vida das plantas.
Refere o Dr. Mason que deixando um prato exposto ao ar livre em noites claras, conseguiu recolher em poucas horas uma quantidade avultada de orvalho, mas este facto, tratando-se da região baixa da Madeira, nada tem de geral, como o têm notado outros observadores, embora se não possa contestar que sôbre o solo e os orgãos das plantas se condensa em muitas noites uma certa dose de vapor de água, e que desta circunstancia algum beneficio deve resultar para a vegetação.
A umidade atmosférica diminuindo a energia da transpiração, provoca nas plantas um menor consumo da água que armazenam ou tiram do solo pelas suas raízes. Mesmo nos climas secos podem as plantas economizar os seus líquidos, quer demorando o seu crescimento, quer esquivando-se por outras formas ás perdas a que dá lugar a referida função.
Existem diversos tipos de estepe, mas provavelmente é a estepe graminosa a que o Dr. Vahl supõe existir na região baixa da Madeira. Segundo o Dr. Drude, esta estepe é caracterizada por formações sujeitas ao repouso hibernal e em que as plantas secam durante o período dos grandes calores, existindo nela como elementos acessórios grandes vegetais herbaceos, por vezes bastante tomentosos, plantas providas de bolbos ou tubérculos e moitas de espécies pouco sucosas.
Na região inferior da Madeira existem algumas gramineas e outras plantas que, já pelo comprimento das suas raizes ou rizomas, já pelo aspecto e conformação dos seus caules e folhas, parecem adaptadas a resistir a um forte grau de secura; mas se se considerar que tais plantas tanto podem existir na estepe como fora dela, e que as formas bolbosas se não encontram na mesma zona, ao passo que as formas sucosas são aí abundantes, impossível será deixar de ver nestes factos uma prova de que as associações de plantas em que predomina o Andropogon pertencem a um domínio diverso daquele em que o Dr. Vahl pretendeu incluí-las. Os primeiros povoadores, derrubando as florestas com o fim de arrotear os terrenos, provocaram talvez alterações sensíveis tanto no clima e solos da região baixa da Madeira, como na distribuição e aspecto da flora, mas o que eles não conseguiram, como vimos, foi anular as influencias provenientes da proximidade do mar e da situação e configuração da ilha. É devido a estas influencias que a estepe não existe na Madeira, embora se não possa negar que o regime pluvial da região inferior da ilha oferece em certos anos analogias notáveis com o dos países dotados duma flora adaptada a resistir a um forte grau de secura.