Cultura

Tragédia na Madeira (Uma)

Por Albino de Meneses, Baptista Santos, Abel Rocha de Gouveia e Domingos dos Reis Costa, 1910, 189 páginas.

Traje Regional. Para maior esclarecimento do assunto versado no artigo Indumentária (II-136)l transcrevemos do Diário da Madeira (Março de 1938) os seguintes interessantes trechos:

«Dos estudos folclóricos feitos sôbre a indumentária privativa de diferentes regiões, unificou-se, dum modo decisivo, que as vestes, pelo seu cortet disposição e colorido, corres¬pondem sempre ao modo de vida dos habi¬tantes e, sobretudo, à natureza do ambiente que o cerca, pelo seu clima, orografia e tona¬lidades da paisagem. Onde esta é ricamente florida, manchada de cores várias e intensas, o traje — especialmente o das mulheres — é por igual colorido, harmonizando-se e inte-grando-se a figura no quadro em que vive e em que trabalha.

O madeirense que visita o Minho acha-lhe logo uma paisagem que lembra logo a da Ma¬deira. E no vestuário da minhota, reconhecerá no listado vivo e polícromo da saia uma grande analogia com o traje das nossas próprias camponesas. O Porto Santo, luminoso embora, mas sem côr, não deu ao traje da mulher — nem por imitação — a vivacidade e os tons que fizeram aos olhos de nacionais e forasteiros, o encanto das vestes campesinas desta «Flor do Atlântico».

Na terra dos Perestrêlos, a indumentária é neutra como o tom dos seus campos e montanhas.

De facto, tudo se resume numa fórmula de harmonia imposta não por uma regra de arte, mas apenas, — um pouco, como no mimetismo — por condições instintivas de todo o ponto inconscientes.

Dentro da policromia das vestes da camponia madeirense há modificações de local para local ou, pelo menos, de concelho para concelho.

Aqui, as saias listadas e, noutro ponto, as saias todas vermelhas; as mesmas capas e corpetes, sofrem variações de côr; e, até, as primeiras diferem de tom nos debruns dos bicos, junto à gola, e no modo de as lançar ou de as compor sobre os ombros.

Conviria estudar-se tudo nas próprias localidades, com o informe das pessoas mais antigas, as melhores detentoras da usança tradicional.

Nas freguesias ou nas sedes dos concelhos, conforme fosse entendido, a Delegação de Turismo promoveria a confecção de bonecos vestidos pelas «alfaiatas» locais, segundo o modelo assente, com fiscalização confiada a uma comissão de competentes em que o senso regionalista se ligasse a este género folclórico. Formá-la-iam madeirenses com amor pelo assunto e de reconhecido bom gosto.

Essas pequenas figuras, classificadas por locais, concelhos ou freguesia, — representando, é claro, camponeses dos dois sexos — constituiriam, em lugar adequado, exposição permanente, por certo, muito interessante para nacionais e estrangeiros. Interessante no pitoresco, pelo valor folclórico e pela fixação dos trajes das várias localidades, o que ainda está por fazer dum modo definitivo.

Inclinamo-nos a crer que o estudo dos nossos trajes e a sua fixação em modelos — digamos — oficialmente expostos, só trariam vantagens para todos que se interessam pelo folclore da Madeira no que toca a vestuário. Se juntássemos às figuras rigorosamente vestidas, objectos de uso doméstico, alfaias agrícolas ou outras, ligadas às regiões a que as vestes se referem ainda a exposição ficaria mais completa e, por isso, de maior utilidade.

Há aqui amadores de reconhecido talento, com provas na modelação do barro, que, encarregados da factura dos rostos dos camponios e campónias, lhes dariam tom local e toda a força expressiva particular à nossa gente.

Modeladas as cabeças e dadas as proporções do corpo sobre um esqueleto de madeira, esquematicamente feito, o resto era com a «alfaiata», repetimos, depois de bem estudada a composição da figura.

Insistimos em que esta seja vestida, não na cidade que tudo estraga com as suas fantasias e estilizações impróprias, mas nos campos onde se conhecem tecidos, maneira de os cortar e adornar e, até mesmo os modos de os costurar com rigor.

A par, deveria cuidar-se, com carinhoso empenho, da tecelagem doméstica, não deixando perder-se as receitas regionais da nossa tinturaria especialmente as das lãs, receitas que se baseiam em colorações vegetais.

Nas Festas do Fim do Ano, esses pequenos manequins viriam dar o modelo aos grupos de cada terra que acudissem ao Funchal para figurar em cortejos ou noutros números de programa, promovendo-se, entre eles, concursos só destinados a estimular-lhes o

amor por seus trajes e costumes, premiando-se-lhes a galhardia, o ritmado das danças, e, muito principalmente o rigor do vestuário, tudo orientado sempre por espírito tradicional».