Teatro
O culto pelas representações teatrais entre nós devia ter seguido as fases do Continente do Reino. Nas igrejas e locutórios dos conventos, representavam-se autos e poemas de carácter religioso, em que nem sempre a santidade do lugar era devidamente respeitada. Nas Constituições deste bispado, promulgadas e aprovadas no ano de 1578, se determina «que se não façam nas igrejas ou ermidas representações... de dia nem de noite, sem especial licença do prelado, pelos muitos inconvenientes e escândalos que disso se seguem». Temos encontrado vagas referências a es¬sas representações nas igrejas e conventos desta diocese mas não podemos determinar com precisão a natureza desses espectáculos e a maneira como eles se realizavam. Sabemos que, no ano de 1622, se representou um auto religioso na igreja de São João Evangelista, quando ali se celebraram solenes festejos por ocasião da canonização de S. Francisco Xavier. Na igreja ou convento de Santa Clara_ diz-nos o anotador das Saudades da Terra, houve uma representação dramática no ano de 1718, quando saiu da Madeira o governador e capitão-general João de Saldanha da Gama, escrita par Francisco de Vasconcelos Coutinho (volume I, página 315) e intitulada Residência do Governador e Capitão General... representada petas freiras de Santa Clara na sua despedida, em que eram personagens a Ilha a Corte, a Saudade, a Religião e a Fama. Anteriormente a 1780, havia já no Funchal uma modesta casa de espectáculos, situada à rua das Fontes. Esta casa, a que nos princípios do século XIX chamavam da Comedia Velha» abateu a 19 de Março de 1829, ficando todavia de pé a frontaria Naquele ano de 1780, concluiu-se, segundo parece, a construção do Teatro Grande, ao qual consagramos um artigo especial. Por 1820, ou pouco antes, e portanto existindo ainda aquele teatro, que foi demolido em 1833, se construiu o teatro do Bom Gosto, do qual também nos ocupamos noutro artigo. Deixando este teatro de funcionar por 1838, tratou-se de adaptar o refeitório e outras dependências do extinto convento de São Francisco a um teatro, a que deram o nome singular de Prazer Regenerado e cuja existência não teve larga duração. A sua inauguração realizou-se no dia 20 de Dezembro de 1840. Por esta época ou pouco depois, organizou--ee a sociedade dramática Concórdia, que, com o mesmo nome fez construir um pequeno teatro na rua do Monteiro pelos anos de 1842, onde se apresentou ao público o distinto artista Robio e onde foi representado em 1844 o drama Amor e Pátria, de Sérvulo de Medina e Vasconcelos (volume II, página 336). Ainda ali se deram algumas récitas no ano de 1851. A abertura da rua entre a ponte do Bettencourt e a igreja do Carmo em 1856, levou a Câmara Municipal a demolir o prédio em que aquele pequeno teatro se achava instalado. José Silvestre Ribeiro, o mais ilustre e benemérito governador da Madeira, que a todos os serviços de administração pública e a todos os melhoramentos locais procurou acudir e remediar, não podia certamente descurar o do estabelecimento dum teatro nesta cidade, e, se os seus diligentes esforços e a sua perseverante iniciativa não foram coroados de êxito feliz, deve-se isso unicamente as insuperáveis dificuldades que surgiram e ao pouco zelo e dedicação que várias entidades particulares as corporações administrativas, os deputados e o governo central mostraram na realização desse empreendimento, como pode ver-se no volume 3.° da Epocha Administrativa. Isto deu-se nos anos de 1851 e 1852.
Por 1858t fundou-se no Funchal uma sociedade dramática conhecida pelo nome de Talia, que deu algumas representações em diversos locais e que depois arrendou uma casa no largo do Pelourinho. Não sabemos quando deixou de existir nem quem eram os seus sócios e dirigentes, mas ainda se apresentou em público com as suas récitas no ano de 1859, já depois do teatro Esperança ter sido inaugurado.
Deste último daremos resumida notícia, em artigo especial.
Durante a existência do teatro Esperança, e ainda anteriormente a ele, organizaram-se várias sociedades dramáticas nesta cidade, que em diversos lugares levaram à cena muitos dramas e comédias, tendo sido a Escola Lancasteriana um local que, por vezes, foi aproveitado para a execução de concertos musicais e representação de peças de teatro.
De 1850 a 1880^ várias tentativas se fizeram de carácter particular e oficial para ser dotada esta cidade com um teatro, que, sem ser uma grandiosa casa de espectáculos, pudesse no entretanto satisfazer aos desejos da população e se harmonizasse com as condições e circunstâncias do nosso meio. Resultaram, porém, infrutíferas todas as diligências empregadas até que uma vereação mais audaz e de espírito empreendedor resolveu a construção dum teatro, contraindo para esse fim um empréstimo e dotando enfim o Funchal com uma excelente casa de espectáculos, como é o actual teatro Manuel de Arriaga, de que nos ocuparemos em outro artigo desta obra.
Além do teatro Manuel de Arriaga, existem hoje no Funchal o Teatro Circo e o Pavilhão Paris, este inaugurado a 23 de Outubro de 1909 e aquele a 3 de Setembro de 1911 (1921).
Têm vários madeirenses cultivado a literatura dramática, escrevendo para o teatro peças de diversos géneros, entre os quais citaremos Baltazar Dias, Francisco de Vasconcelos Coutinho, José Anselmo Correia Henriques, Manuel Caetano Pimenta de Aguiar, Sérvulo de Medina e Vasconcelos João de Nóbrega Soares, Maximiliano de Azevedo, João de Freitas Branco, Luís António Gonçalves de Freitas, D. Olímpia Fernandes, João dos Reis Gomes José Jorge Rodrigues dos Santos, Jaime Câmara, Elmano Vieira, Alberto Figueira Jardim, etc, de cujos escritos fazemos menção nos artigos que nesta obra são consagrados a esses autores.
Com muita proficiênica se ocuparam de assuntos teatrais, Luís da Costa Pereira, na obra Rudimentos da Arte Dramática, e J. dos Reis Gomes nos livros O Teatro e o Actor, de que se fizeram duas edições, e A Música e o Teatro.