Contribuições
Desde remotos tempos que os madeirenses estão sujeitos ao pagamento de contribuições, como se vê do foral da cidade do Funchal e das vilas da Ponta do Sol e da Calheta, e de varios documentos registados nos arquivos municipais. O rei D. Duarte ao fazer mercê a seu irmão o infante D. Henrique do senhorio das ilhas do arquipelago, concedeu-lhe “todolos dereytos e rendas dellas”, e pelas cartas de doação das três capitanias do Funchal, de Machico e do Pôrto Santo, sabe-se que os respectivos donatarios foram autorizados pelo mesmo infante a receber “de dez hum em tudo o que ele houvesse de renda, segundo o foral, nas ditas capitanias. No foral de 1515, transcrito a pag. 494 e seguintes das Saudades da Terra, há uma referencia ao foral do infante D. Henrique, da qual se vê que eram bem pesados os encargos tributarios impostos pelo mesmo infante aos povos deste arquipelago. Nos artigos Açucar e Alfandegas, publicados neste Elucidario, referimo-nos já a algumas contribuições que em tempos antigos pagavam os madeirenses; vamos agora esboçar uma noticia abreviada de outros encargos tributarios que pesavam também sôbre a população do arquipelago, alguns dos quais, como os dizimos, a decima predial, o quinto, o subsidio literario e o finto, chegaram até nossos dias, tendo sido extintos pela lei de II de Setembro de 1861. Foi esta lei que fêz entrar o arquipelago da Madeira na comunhão do sistema tributario adoptado em Portugal, visto ter determinado que a partir de 1 de Janeiro de 1863 fôsse aplicavel ao mesmo arquipelago a legislação que regia as contribuições predial, industrial e pessoal no continente do reino. Os dizimos, que supomos serem a mais antiga contribuição que conheceram os madeirenses, datam dos primeiros tempos da povoação. Determinava o foral do infante D. Henrique que eles fôssem descontados nas soldadas, serviços, jornais ganhos de mercadores e dos oficiais, vendas das novidades, aforamentos, arrendamentos e em tôdas as coisas nascidas e criadas na ilha. O foral de 6 de Agôsto de 1515 extinguiu alguns destes dizimos, como por exemplo os que eram tirados das soldadas de qualquer especie, ganhos de mercadorias e oficiais, etc., mas manteve esse imposto para os cereais, gados, lã, vinho, frutas, hortaliças, queijos, ovos, manteiga, leite, mel de abelhas e inumeras outras coisas mais, produzidas na ilha. Determinava ainda o mesmo foral, que na alfandega se pagasse dizimo do açucar e de tôdas as demais mercadorias exportadas para fora do reino, e quanto ás mercadorias exportadas para o reino, que só pagassem esse imposto aquelas que fôssem destinadas a estrangeiros ou transportadas em navios estrangeiros. Muitas mercadorias importadas de fora do reino pagavam dizimo, mas as que vinham do reino só o pagavam quando trazidas por estrangeiros ou transportadas em navios estrangeiros. Os cereais, azeite, castanhas, ervilhas, queijos e todos os demais generos importados com destino á alimentação publica, em caso algum pagavam dizimo, ao passo que a prata, armas, cavalos, livros e vestidos só estavam isentos desse imposto quando não eram para vender. Era livre a importação das lenhas. Os dizimos pertenciam na sua maior parte á Ordem de Cristo, mas depois que o mestrado da Ordem foi encorporado na coroa, passaram a ser recebidos pela Fazenda Real. Saíam deles as despesas do culto, e não chegavam em 1626 para as côngruas das dignidades, conegos e mais pessoal da Sé Catedral, segundo se vê do alvará de 10 de Junho do mesmo ano. Os dizimos foram secularizados na parte excedente á sustentação do clero, pelo alvará de 1 de Agôsto de 1752. Estavam isentos, por mercê regia, do pagamento dessa contribuição, ao menos nos primeiros tempos, as ordens religiosas dos Jesuítas e dos Franciscanos, e o clero secular. O arrendamento foi por largo tempo o sistema de arrecadação dos dizimos, tendo havido mesmo uma epoca em que esse arrendamento se fazia em globo. A decima predial, como o seu nome indica, incidia nos predios, e está substituída presentemente pela contribuição predial. Antes da decima predial, pagavam os madeirenses a decima urbana, criada pela lei de
Pagavam quinto as capelas e a redizima dos donatarios, tendo determinado o Administrador Geral em 1836, que o Marquês de Castelo Melhor fôsse colectado pela dita redizima desde 1831 até á extinção da alcaidaria-mor do Funchal. O lançamento do quinto aos donatarios que possuíam bens e capelas da coroa, fazia-se em antigos tempos perante os corregedores, mas a lei de 24 de Abril de 1835 determinou que as Camaras Municipais nomeassem para cada freguesia uma junta de seis cidadãos, encarregada de proceder á distribuição da referida contribuição. A fs. 31 v. do tomo XVIII do Registo Geral da Camara Municipal do Funchal, está uma relação dos bens de capelas sujeitos ao quinto e existentes no concelho do Funchal.
O finto pertencia ao Estado, mas o que ele rendia era antes de 1834 arrecadado pela Camara Municipal e entregue depois á Junta da Fazenda. A Camara nomeava os individuos que faziam a distribuição do imposto pelos contribuintes.
O finto de 3:600:000 réis ou 9:000 cruzados anuais, nem sempre era pago com pontualidade. Por alvará de 1 de Abril de 1749 perdoou D. João V a importancia dessa contribuição relativa aos anos de 1739 a 1749, em razão dos prejuízos causados á ilha pelo terremoto de 1748, e em 1799 devia o povo á Junta da Fazenda a importancia de 162:000 cruzados, proveniente de 18 anos da mesma contribuição, a qual o govêrno mandou arrecadar.
Além dos tributos de que acabamos de falar, outros pagaram os madeirenses, já para despesas da guerra e fortificações, já para outros fins.
Em 1478 apareceu a primeira contribuição de guerra imposta á Madeira, seguindo-se-lhe a de 1493, que não chegou a ser paga, e as dos gibonetes e corpos de couraças, aquela estabelecida em 1497 e esta no ano imediato. Houve depois outras contribuições de guerra ou fintos, a mais pesada das quais foi a de 10:000 cruzados cada ano, desde 1637, para a armada da restauração de Pernambuco, sendo então, segundo pensa o Dr. Azevedo, que pela primeira vez o clero madeirense foi obrigado a partilhar dos encargos tributarios da população. Os fidalgos, que se haviam insurgido contra as contribuições de 1478 e 1493, pagaram depois sem resistencia todos os demais tributos lançados pelo poder central.
A contribuição denominada donativo incidia nos frutos, e era destinada também a despesas da guerra. O primeiro diploma registado no arquivo da camara que a ele se refere é de 1635, e o ultimo de 1691.
As imposições sôbre as carnes verdes e os vinhos vendidos a retalho, que datam dos tempos imediatos á povoação do arquipelago, algumas vezes foram aplicadas a despesas de fortificação, a pesar de serem rendas exclusivamente municipais.
Entre os impostos não destinados especialmente a despesas militares, mencionaremos ainda as seguintes: a meia anata (Lei de 31 de Maio de 1631); o imposto do papel selado e do tabaco, que parece datar dos primeiros anos do reinado de D. João IV; A decima funeraria (Lei de 27 de Junho de l809); a contribuição do trabalho (Carta Regia de I de Outubro de 1801); e a sisa (Lei de 3 de Junho de 1809).
A decima funeraria ou sêlo das heranças, e a sisa, estão incluídas hoje na chamada contribuição de registo, ao passo que o antigo imposto da meia anata, estabelecido pelo govêrno castelhano, há muito que não existe, tendo chegado mesmo a ser extinto temporariamente pelo govêrno de D. João IV.
Esse imposto, que era uma especie de direitos de mercê, exigia-se em tôdas as graças honorificas, tanto civis como militares, ordenados, ajudas de custo, etc., não perdoando senão aos soldos das praças e marinheiros do exercito e armada e aos vencimentos que não excedessem 50 cruzados por ano.
Desde os primeiros tempos da povoação pagaram os madeirenses impostos alfandegarios, e tanto antes como depois de 1834, vemos figurar nos calculos dos recursos do Estado nesta ilha, os rendimentos das duas contribuições indirectas do real de agua do vinho e da carne e os das contribuições directas seguintes: direitos de mercê, oitavo do açucar e imposto nas estufas. Em 1646 foi estabelecido o imposto de um cruzado por cada pipa de vinho exportada, o qual foi o ponto de partida dos direitos sôbre a exportação do vinho, cobrados na Alfandega do Funchal.
A Madeira rendia 25:000:000 réis para o Estado em 1628, mas não diz a obra donde extraímos esta informação, qual a proveniencia dessa importancia. Em 1806, segundo informa Tovar de Albuquerque, os dizimos rendiam 65.000.000 réis, o subsidio literario 7.000.000 réis, a imposição do vinho réis l5.000.000, pertencendo porém ao Estado só metade desta importancia, os fintos 3.600.000 réis, as estufas do vinho 2.000.000 réis, o pescado e a carne 3.500.000 réis, a alfandega 180.000.000 réis e outros impostos 20.000.000 réis, ao passo que no ano economico de 1848 a 1849, segundo se lê no vol. II da Epocha Administrativa, os dizimos produziam réis 18.030.126, o subsidio literario 6.202.386 réis o real de agua do vinho 5.093.764, o finto 1.386.756 réis, o imposto do pescado 907$060 réis, o real de agua da carne 1.805.751 réis, o imposto de 3 réis em cada libra de carne 3.477.351 réis, a alfandega 109.276.641 réis, as sisas 5.553.802 réis, os direitos de mercê 863$709 réis e outros impostos e direitos 11.490.219 réis. Lê-se algures que em 1820 a Madeira rendia 5.294.622l5 réis, sendo de 4.840.680 réis a receita do subsidio literario.
Escasseia-nos dados para poder ampliar mais esta noticia acêrca das contribuições que se pagavam outrora na Madeira. Do que atrás ficou dito, porém, vê-se bem claramente que, por mais sobrecarregados que estejamos agora de tributos, a nossa situação é incomparavelmente melhor que a dos primitivos habitantes da Madeira. As contribuições industrial, predial, sumptuaria e de registo, e os impostos indirectos actuais, quasi que representam um mimo dos governos, quando comparados com os dizimos e as mil outras alcavalas com que o infante D. Henrique e os antigos monarcas houveram por bem onerar o povo desta ilha.