Canavial (Conde de)
João da Camara Leme Homem de Vasconcelos, 1º. visconde e 1º. conde de Canavial, foi um dos mais ilustres madeirenses do seculo XIX. Nasceu nesta cidade a 22 de Junho de 1829 e era filho do morgado Antonio Francisco da Camara Leme Homem de Vasconcelos e de D. Carolina Moniz de Ornelas Barreto Cabral, ambos pertencentes a antigas e nobres familias desta ilha.
Concluídos no Funchal os estudos secundarios, foi para Montpellier e ali recebeu o grau de bacharel em ciencias no ano de 1852 e o de doutor em medicina em 1857, revelando-se sempre um estudante aplicadissimo e de uma privilegiada inteligencia. A sua pasmosa actividade, que foi até á morte uma das caracteristicas do seu espirito, permitiu-lhe que ainda como estudante, tanto na Madeira como em França, se dedicasse a diversos trabalhos literarios e cientificos, de que são prova elequente a sua assidua colaboração em varias revistas e jornais, a tradução do drama de Alexandre Dumas O Conde de Herman, publicado num volume de 250 paginas, e os Etudes sur les ombellifères venéneuses, I volume de 218 paginas, que mereceu alcançar parecer favoravel da Academia das Ciencias e Letras de Montpellier e o logar de membro da mesma Academia.
Terminado o doutoramento, continuou os seus estudos scientificos, e em 1858, num concurso universal e a pesar de estrangeiro, obteve o quarto premio na extensa memoria que escreveu subordinada ao tema Des rapports de l’alimentation avec la respiration. Existe-t-il des aliments qui méritent le nom de respiratoires? Escreveu também um largo estudo intitulado De la température de l’homme et des animaux, que teve uma menção honrosa da academia imperial de medicina de Paris, uma desenvolvida memoria subordinada ao titulo de Quelques considérations ayant pour but de démontrer que la théorie des combustions jette un grand jour sur plusieurs points du domaine de la pathologie, que ficou manuscrita, mas que serviu de titulo para admissão numa sociedade cientifica, e ainda um valioso trabalho, que foi premiado, sob a epígrafe de De la chaleur animale, além de outros estudos que ficaram dispersos pelas revistas da especialidade, o que tudo lhe abriu as portas de muitas academias e sociedades cientificas do nosso país e do estrangeiro.
Em 1859 fêz repetição de actos na Escola Medica de Lisboa, sendo no ano seguinte nomeado demonstrador de anatomia da nossa Escola Medica e em 1867 professor proprietario. Como lente e director da mesma Escola, teve que sustentar algumas lutas com os seus colegas no magisterio, publicando a tal respeito dois grandes volumes, que, a pesar da parcialidade com que possam porventura estar escritos, são trabalhos de incontestavel valor. Gozou como clinico de uma grande nomeada e era por todos considerado um medico abalizado. Ele e o dr. Luz Pita foram, sem ofensa para ninguém, as duas grandes notabilidades medicas da Madeira no seculo passado. A vastidão do seu saber e o seu grande *tacto clinico granjearam-lhe os foros de homem de superior envergadura no campo da medicina. 0 conde de Canavial sustentou varias vezes na imprensa polemicas com alguns dos seus colegas, escrevendo diversos opusculos, todos reveladores de um raro talento e de uma vasta erudição.
Também trilhou, como outros homens superiores, os meandros tortuosos da politica, tornando infecundos tantos dotes apreciaveis de talento e de saber, que, em outro campo, teriam sido um grande proveito e alcance para todos. Uma parte consideravel da sua existencia foi absorvida pela politica esteril de campanario, que o levou a rudes combates na imprensa, tendo redigido muitos jornais e publicado varios folhetos, em que se revelou um polemista de rija têmpera e de uma espantosa fecundidade como escritor. Neste particular é vastissima a sua obra, revestindo sempre a sua linguagem uma forma correcta e elegante, embora despida de grandes primores de estilo.
Como chefe do distrito, foi dos mais activos e zelosos que têm estado á frente da administração deste arquipelago. Trabalhou e trabalhou afanosamente pelo engrandecimento e pelas prosperidades da sua terra, embora o não tivesse conseguido tanto quanto seria para esperar das diligencias e esforços empregados.
Sendo governador da Madeira, escreveu um livro intitulado Apontamentos para o estudo da crise agricola no distrito do Funchal, que ainda hoje pode ser lido e consultado com proveito.
A grande actividade do seu espirito manifestou-se ainda como inteligente industrial, promovendo e dirigindo a fundação da “Companhia Fabril de Assucar Madeirense“ e introduzindo um notavel aperfeiçoamento nos processos destinados ao fabrico da aguardente, no sentido de ser melhor aproveitada a materia prima nele empregada. Este aperfeiçoamento, de que obteve patente de invenção, deu logar a contestações e polemicas, tendo sôbre o assunto publicado alguns opusculos. Também fêz estudos proveitosos sobre o tratamento e afinamento de vinhos, e ainda acêrca desta materia igualmente escreveu um interessante livro e publicou extensos artigos nos jornais.
A “Companhia Fabril de Assucar Madeirense“ teria sido um grande elemento de prosperidade para a nossa terra, se não fôsse a guerra desleal e acintosa que lhe moveram.
Este homem notavel, que foi simultaneamente clinico, professor, funcionario publico, homem de ciencia, jornalista e escritor, politico e industrial, e que em tôdas essas manifestações da actividade humana revelou as qualidades dum privilegiadissimo espirito, poderia ter sido grande entre os grandes se, por vezes, mesquinhas e estereis questões politicas e pessoais não tivessem em demasia absorvido as preocupaçoes da sua vasta e robusta inteligencia.
Morreu o Conde de Canavial nesta cidade a 13 de Fevereiro de 1902, tendo 73 anos de idade incompletos.
Dos seus trabalhos literarios, publicados em volumes e folhetos, podemos fazer menção dos seguintes:
Relatorio e projecto de regulamento para a Escola-Medico- Cirurgica do Funchal. . . Funchal, 1868, de 123 pag. in folio;
Surgiu há pouco (1921) a ideia de levantar-se nesta cidade um monumento ao conde de Canavial, tendo-se para esse fim realizado uma reunião nos primeiros dias do mês de Outubro de 1920, com o fim de se acordar na maneira de prestar uma publica e condigna homenagem àquele nosso ilustre conterraneo e perpetuar entre nós a memoria do seu nome. Partiu esta iniciativa do nosso patricio o dr. Abel Capitolino Baptista.
No extremo da avenida do “Dr. Manuel de Arriaga“ em frente do adro da Sé Catedral, está (1923) sôbre um bem trabalhado pedestal de marmore, o busto em bronze do Conde de Canavial, o qual foi inaugurado a 2 de Março de 1922, tendo-se realizado a cerimonia do lançamento da primeira pedra do monumento a 1 de
Dezembro do ano anterior.
Este monumento foi transferido há poucos anos para o Campo da Barca e colocado nas imediações do Pôsto de Desinfecção.
Para maior complemento do que acima fica dito, leiam-se os artigos Associação de Protecção e Instrução do Sexo Feminino Funchalense, Companhia Fabril de Assucar Madeirense e Estufas, publicados neste Elucidario.