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Camara (Padre Luiz Gonçalves da)

É este madeirense o conhecido e célebre aio do rei D. Sebastião, cujas qualidades de caracter, e, de modo particular, o ascendente que exerceu sôbre o espírito do jovem monarca, tão diversamente têm sido apreciados pelos nossos críticos e historiadores. Os inimigos da Companhia de Jesus, de que ele foi um dos mais ilustres membros, apresentam-no como um ambicioso sem escrúpulos, que só pensava no engrandecimento da sua ordem, e acusam-no de ter procurado desenvolver as tendências exageradamente aventureiras do seu discípulo, que tiveram como triste epilogo a perda da nacionalidade portuguesa. Outros há, e entre eles o insuspeito Manuel Bento de Sousa, que têm opinião inteiramente contraria a essa, não atribuindo ás influencias do padre Luiz Gonçalves da Câmara a responsabilidade das arriscadas empresas a que D. Sebastião se aventurou. Diz o autor citado: “o padre Luis Gonçalves da Camara, foi um bom. Os seus olhares eram para o céu, os seus pensamentos para Deus, as suas inclinações para a virtude. Era um crente, um santo, um místico. Nos cargos superiores da Companhia, governava os padres pela paz e tudo dirigia pela brandura, comovendo pelo sincero desapego deste mundo. Reitor do collegio de Coimbra, só tinha para os seus subordinados a mansidão, e baixado, por disciplina ou por experiência, de reitor a cosinheiro da casa, sofreu a mudança com a mais angelical paciência. Nas terras da mourama sacrificou á consolação dos captivos o tempo, o descanso e a saúde. Viveu nas masmorras, e foi adorado pelos prisioneiros, que se prostravam na sua passagem, beijando-lhe o hábito, e pedindo com encarecimento o refrigerio da sua presença. No paço não provocou uma queixa, não requereu um beneficio, não empregou um parente, e embora se diga que foi elle o introdutor de seu irmão Martim, e talvez o fosse, é certo que não deixou uma só prova de ser solidário com este nas ambições e desmandos do governo. A sua isenção foi até ao ponto de não querer comer nem dormir no palácio, sendo necessário que a rainha a isso o obrigasse... Luiz Gonçalves da Câmara nasceu nesta ilha no ano de 1518 e era filho de João Gonçalves da Câmara, 4º. capitão donatario do Funchal, e de D. Leonor de Vilhena, filha do conde de Tarouca. Em ano que não podemos agora determinar, foi matricular-se na universidade de Paris, que era então um centro muito importante do movimento intelectual da Europa e que de todos os países atraia um numero considerável de estudantes aos seus afamados cursos, que tinham nessa época uma reputação universal. Luiz da Camara revelou-se ali um estudante de extraordinário talento, não só no estudo das línguas latina, grega e hebraica, mas também nos cursos de filosofia e teologia, em que notavelmente se distinguiu. (quando D. João III fez a retorma da universidade de Coimbra e mandou vir de França vários professores para o nosso ensino universitário, foi o padre Luiz Gonçalves da Camara, um dos escolhidos para fazer parte do corpo docente do nosso primeiro estabelecimento cientifico e ali regeu varias cadeiras. Resolveu abraçar o instituto da Companhia de Jesus, e nesta ordem exerceu elevados cargos. Tendo pessoalmente conhecido em Paris o fundador da Companhia, com quem depois estreitou relações da mais íntima amizade, foi em Coimbra, quando ali professava o magistério universitário, que entrou na congregação dos jesuítas e nela professou a 2 de Abril de 1546. No ano seguinte era nomeado reitor do Colégio de Coimbra, e três anos depois seguiu para Roma a tratar de negocio da sua ordem. Foi ali que, no convívio com Inacio de Loiola e outros personagens importantes, adquiriu grande prestigio e pôs em relêvo os seus raros dotes de inteligência. Na capital do orbe católico, escolheram-no para superior da casa professo dos jesuitas e visitador da ordem em Portugal e Espanha.

Rgressando á patria foi nomeado confessor do príncipe D. João, pai de D. Sebastião, e depois preceptor deste monarca, em cujo cargo se conservou alguns anos. A propósito, diz o autor já citado: “As suas qualidades de sacerdote virtuoso foram em tempo de D. Sebastião as mesmas que todos lhe haviam reconhecido, quando antes o tinham já procurado para confessor de D. João III, violentando-lhe os desejos, que só eram os de viver no retiro de sua cela. O seu discípulo afeiçoou-se-lhe tanto, que o perdel-o foi a maior dor da sua vida. Esse rei sem affectos, que a ninguém estimou neste mundo com sinceridade de coração, só por duas pessoas chorou pelo padre Câmara e por D. Alvaro de Castro... Grandes devem ter sido os dotes do mestre para esta sedução toda moral, que nem sequer tinha para a favorecer os dotes physicos, que tanto ajudam. O padre Camara era feissimo, tartamudo e cego dum olho“. Foi de certo por isso que Pinheiro Chagas afirma que ele só se impôs pelo poder da inteligência. A afeição, porém, que inspirou ao seu régio pupilo, aos seus subordinados em Coimbra e aos cativos de Marrocos, não podem caso algum impor-se apenas pela força da inteligência. É corrente o afirmar-se em obras históricas, incluindo os trabalhos de Pinheiro Chagas, que Luiz Gonçalves da Camara exerceu uma acção nefasta sôbre o espírito de D. Sebastião, o que Manuel Bento de Sousa contradiz nos seguintes termos: “foi o grande Marquês de Pombal... que no seu libello contra os jesuitas, acumulou quantas culpas a imaginação podia inventar..., foi elle quem deu mais curso a tal inexactidão, fazendo do Padre Câmara um corruptor do moço rei, por interesses da ordem“. O padre Luiz Gonçalves da Câmara morreu em Lisboa a l5 de Março de 1575, tendo 57 anos de idade.

Pessoas mencionadas neste artigo

D. João
Príncipe
D. Sebastião
Rei de Portugal monarca
Manuel Bento de Sousa
Historiador autor
Marquês de Pombal
Figura histórica
Pinheiro Chagas
Autor

Anos mencionados neste artigo

1518
Nascimento de Luiz Gonçalves da Câmara
1546
Profissão na congregação dos jesuítas
1575
Morte de Luiz Gonçalves da Câmara