Administração Judicial
Na Madeira, ao menos nos tempos primitivos da colonização, toda a jurisdição civil e criminal residia nos donatários. Eram muito latitudinárias as suas atribuições na administração de todos os negócios públicos e ainda no julgamento das causas crimes, a não ser que se tratasse de delitos graves de morte ou atalhamento de membro, que então pertencia ao rei ou aos tribunais superiores da corte a aplicação da respectiva pena. Essas amplas faculdades foram se a pouco e pouco cerceando com o decorrer dos tempos. Os reis avocando a si os privilégios que neste arquipélago tinha a Ordem de Cristo, a criação dos municípios, a instituição das sesmarias e dos morgadios, as diversas leis agrárias, sobretudo acerca de águas, madeiras, gados e açucares, e ainda outras medidas do poder central contribuíram poderosamente para o gradual cerceamento das atribuições civis militares e judiciais de que os capitães donatários largamente gozavam neste arquipélago.
Os abusos de jurisdição cometidos pelos donatários, que às vezes iam até a invasão do poder real, não eram raros, o que, em muitas ocasiões, determinou a vinda a esta ilha de ouvidores e corregedores, investidos de poderes quasi discricionários, que tinham por missão especial o sindicarem e julgarem desses excessos de jurisdição. Eram estes magistrados, enviados primitivamente em casos extraordinários e depois em circunstâncias mais normais, os que atenuavam e corrigiam aquelas invasões de poder, levantando se por vezes conflitos entre eles e os capitães donatários, a que sempre vinha por termo o governo central nos recursos interpostos perante a coroa.
Temos disso vários exemplos, especialmente o da vinda à Madeira no último quartel do século XV, do corregedor Álvaro Fernandes com “alçada por el rei em toda a ilha” e mais tarde a do bacharel Rui Pires, também com jurisdição judicial em todo o arquipélago.
No primeiro quartel do século XVI, mandou D. Manuel a esta ilha o corregedor Dr. Diogo Taveira, *por certas razões que a isso o moveram, em respeito ao capitão Simão Gonçalves+, diz Gaspar Frutuoso, o que em extremo irritou o capitão donatário, a ponto de que resolveu abandonar a capitania, chegando a embarcar em duas caravelas com sua família e o melhor móvel da sua casa em direcção a Espanha, o que não realizou por ter arribado ao Algarve e lhe ter sido dada por el rei satisfação da afronta, ”por que, como afirma o citado cronista, pelos serviços que tinha feito a el rei lhe não merecia meter corregedor”.
Mais tarde, pelos anos de 1579, o cardeal rei cerceou consideravelmente o poder e jurisdição dos donatários, determinando especialmente que os ofícios e empregos de Justiça fossem de apresentação régia, o que antes pertencia aos capitães donatários. Com a dominação filipina, ainda mais se restringiu o poder dos donatários. O governo espanhol criou os cargos de governadores gerais para a administração das nossas possessões e enviou para este arquipélago o desembargador Dr. João Leitão, que vinha também encarregado de proceder a uma devassa acerca dos acontecimentos políticos ocorridos nesta ilha por ocasião da proclamação de Filipe II. Desde então, os capitães donatários deixaram de residir entre nós e exerciam as suas faculdades jurisdicionais por intermédio dos seus ouvidores, que eram da sua nomeação e aos quais outorgavam todas as atribuições de que gozavam. É fácil, porém, de presumir que a ausência dos donatários das suas capitanias e a autoridade exercida com verdadeiro despotismo pelos representantes do governo espanhol, teriam imensamente concorrido para reduzir a proporções mesquinhas o poder dos mesmos donatários no governo destas ilhas. A pesar de serem quasi meramente honoríficas, a partir desta época, as atribuições dos donatários na administração local e na aplicação da justiça, continuavam, no
Entretanto, a receber importantes rendas dos diversos impostos cobrados no arquipélago, tendo, por meados do século XVIII, sido largamente indemnizados da perda, que então começaram a sofrer, dessas mesmas rendas e impostos.
Será hoje difícil e talvez mesmo impossível determinar com precisão a esfera das atribuições, na época em que começou a ocupação castelhana, tanto dos capitães donatários, como dos diversos magistrados enviados a este arquipélago pelos monarcas. O mesmo diremos acerca do período da dominação espanhola e da época decorrida desde 1640 até o tempo do marquês de Pombal.
O decreto de 2 de Agosto de 1766 criou para os Açores os cargos de corregedor e de juiz de fora, e, no ano seguinte, teve esse decreto aplicação à Madeira, sendo para eles respectivamente nomeados o Dr. Francisco de Matos Correia e o Dr. Luiz António Tavares de Abreu, que tomaram posse dos seus lugares a 15 de Outubro de 1767. Com a nomeação desses magistrados, entrou a administração judicial neste arquipélago num período regular e normal, quando até então, o exercício das funções de corregedor e juiz de fora, acumuladas num só indivíduo, era bastante irregular e principalmente destinado a atender às circunstâncias de ocasião. Durante 68 anos, contados de dia a dia, se manteve deste modo a administração da Justiça até o dia 15 de Outubro de 1835.
A reforma judiciária de 16 de Maio de 1832 só teve execução na Madeira em 1835, e, assim, a pesar da proclamação do governo constitucional nesta ilha a 5 de Junho de 1834, continuou a justiça a ser administrada pelo juiz de fora e corregedor ou seus substitutos legais, até que, em 15 de Outubro de 1835, foram instalados os dois julgados judiciais, ambos com sede no Funchal.
O Dr. Manuel Cirilo Esperança Freire, que foi o último juiz de fora efectivo, serviu até o dia 14 de Junho de 1834, e o Dr. Francisco António Rodrigues Nogueira, que foi também o último corregedor efectivo, deixou o cargo a 23 do mês e anos referidos foram interinamente substituídos pelos membros mais velhos do senado, segundo as disposições legais vigentes, até que o governador e capitão general Luiz da Silva Mousinho de Albuquerque nomeou a 13 de Outubro de 1834, em virtude de ordens superiores, juiz de fora e corregedor os bacharéis Daniel de Ornelas e Vasconcelos e João Jose Vitorino Duarte e Silva.
A 15 de Outubro de 1835, como já fica dito, terminou o antigo regimen judicial e foram instalados os dois julgados com sede no Funchal.
Em 1838, uma nova reforma judicial dividiu o arquipélago em duas comarcas, ocidental e oriental,ambas com sede nesta cidade, e que foram estabelecidas a 7 de Maio daquele ano.
O primeiro magistrado que serviu no julgado e comarca oriental foi o Dr. Domingos Olavo Correia de Azevedo e igualmente o primeiro juiz que serviu no julgado e comarca ocidental foi o Dr. José Pereira Leite Pita Ortigueira Negrão.
O decreto de 12 de Novembro de 1875 alterou a divisão comarca neste arquipélago, ficando deste então existindo as comarcas do Funchal, Ponta do Sol, Santa Cruz e S. Vicente.
A comarca de Santa Cruz instalou se a 17 de Junho de 1876, dia em que tomou posse o seu primeiro juiz, o Dr. Manuel Inácio Rum do Canto, sendo seu primeiro delegado do procurador régio o Dr. Bernardo Vieira Pinto de Andrade, que foi nomeado por decreto de 17 de Fevereiro de 1876.
A instalação da comarca de S. Vicente realizou se a 16 de Novembro de 1876. Neste mesmo dia, tomaram posse o mesmo juiz e o primeiro delegado, o Dr. João Pereira dos Ramos e Silveira, e o Dr. Aníbal Correia Taborda. Instalou se a comarca da Ponta do Sol no dia 28 de Abril de 1876. Foi seu primeiro juiz seu primeiro delegado, respectivamente, o Dr. Martinho da Rocha Guimarães Camões e o Dr. António Augusto Freire Ribeiro de Campos, que tomaram posse dos seus cargos no dia e por ocasião da instalação da comarca.