Vieira (João Fernandes)
Ao artigo inserto a páginas 18 do volume II acerca deste ilustre madeirense, queremos acrescentar mais alguns dados de informação que melhor identifiquem a sua personalidade, chamando especialmente a atenção dos leitores para a valiosa e exaustiva memória histórica do académico Rodrigo de Lima Felner Nome verdadeiro do portuguez João Fernandes Vieira, publicada em 1873 e o belo estudo do tenente-coronel Alberto Artur Sarmento intitulado Ascendência, naturalidade e mudança de nome de João Fernandes Vieira dado à estampa no ano de 1911. Com esses elementos e outros trabalhos de investigação, publicou o escritor brasileiro Dr. Mario de Melo um excelente artigo, transcrito na imprensa do Funchal, do qual vamos extrair alguns períodos, que muito de perto interessam ao nosso assunto:
O português João Fernandes Vieira vindo muito jovem para o Brasil foi o elemento de mais preponderância na restauração de Pernambuco. Teve panegiristas cegos e tem demolidores. Estes não se limitaram a apontar os seus erros, alguns fartamente documentados, ou a sua ambição, que seria demasiada, bastando notar-se que, excepto os cientistas trazidos por Mauricio de Nassau e poucos outros, todo o europeu que vinha ao Brasil alimentava, como programma, acumular riqueza. Pereira da Costa e Alberto Lamego fartaram-se de acumular documentos contra o madeirense. E para apoucar-lhe a figura começaram por duvidar de sua ascendência legitima. Deram-no ora como filho bastardo dum homem de prol da Madeira com uma hetaíra, ora filho dum malfeitor com uma mulata. Viriato Corrêa e Paulo Setúbal incumbiram-se de propagar a injuria em livros de divulgação. Quando aquele e este, em anos diferentes, espalharam a divulgação, protestei, fundado no que escrevera Adelino de Luna Freire. Mas o meu protesto não podia ter vehemencia ante a precariedade da documentação, pois só recentemente foi encontrada a certidão de batismo daquele a quem os pernambucanos tudo devem. Sabia que João Fernandes Vieira era filho de Francisco Dornelas e mudara de nome ao vir para o Brasil, mas, pelas minhas notas, a mulher de Francisco Dornelas era Teresa Mafra. Assim, pesava sobre a memória do libertador a pecha de filho bastardo e bem poderia ser Antonia Mendes a hetaíra de que tratam os injuriadores da sua memória ou o verdadeiro nome da «Benfeitinha». E escrevi sem perda de tempo ao Sr. Alberto Sarmento para que me informasse o nome da verdadeira mulher de Francisco Dornelas. Em resposta, mandou-me interessante monografia intitulada «Ascendencia, naturalidade & mudança de nome de João Fernandes Vieira, publicada em 1911, anterior, portanto, ao aparecimento da certidão de batismo (encontrada na freguesia de N.ª S.ª do Faial, da ilha da Madeira). Por esse precioso trabalho de pesquisa histórica, que confirma as pesquisas de Adelino de Luna Freire, vejo que o autor, guiado por uma nota escrita á margem do «Castrioto Lusitano», encontrou no Nobiliário de Caetano Velosa de Castelobranco, num manuscrito bastante estragado..o seguinte: § 18 – Mendo d'Ornelas e Vasconcelos, f.° de Francisco Goes § 17 a fs. 40 c. 1.ª vez em 24 de 7bro de 1559 em Maxico c. Helena Gomes fa. de Pedro Antonio, Médico no Fayal e teve: I – Francisco d'Ornelas n. 1. 2 – Ayres d'Ornelas que morreu na Índia, 3 – Antonio d'Ornelas que tão bem morreu na Índia. 4 – Antonia d'Ornelas mer. de Simão de Vasconcelos fo. s. g. Caz. 2.ª vez c. .... de Castro. 5 – Simão Ferzs. § 21. Francisco d'Ornelas n.° I c. c. Ant.ª Mendes da Lombada de Santa Cruz, fa. de Jerónimo Mendes e de Barbara Christovão natural do Fayal e teve: 1 – Manuel de Ornelas s. g. 2– Francisco d'Ornelas que ao depois mudando o nome se chamou João Fernandes Vieira e segue. 3 – Antonia d'Ornelas c. c. Antonio Pires da Fra. do Fayal c. g. 4 – Helena d'Ornelas mer. de Pedro de Freitas Peixoto do Fayal fo. de c.....c. g. 5 – Maria d'Ornelas mer. de José Dias de Santana c. g. Francisco d'Ornelas sendo rapaz fugiu para o Brazil e ali tomou o nome de João Fernandes Vieira, foi muito rico e com sua riqueza e valor libertou para a coroa de Portugal do poder dos holandezes, Pernambuco: e por estes e outros muitos serviços foi – Fidalgo da Casa Real e do seu conselho de Guerra. Alcayde Mayor da Villa de Pinhal, comendador das comendas da Ordem de Christo. S.
Pedro de Torradas e de Santa Eugenia d'Aula, superintendente das fortificações de Pernambuco, e de todas as mais do Brasil para o norte e pro. Aclamador da Liberdade e restauração de Pernambuco.
Está, portanto, confirmada a identificação de João Fernandes Vieira. Não podia envergonhar-se de sua ascendência. Era fidalgo pelo sangue do pai e pelo sangue da mãe. Esboroa-se a lenda da sua infame bastardia e de sua mestiçagem. Filho legitimo, branco limpo e puro.
Si assim o era por que emigrou e mudou de nome? Emigrou devido ao seu temperamento aventureiro e devido á miséria que com a peste, devastava a ilha da Madeira. O regimen de Direito de então era o do morgadio. Só os primogénitos tinham direito á herança e ás rendas e o dever de, com o nome da família, conservar o vinculo. «Os irmãos, á fome, indignados com a fortuna, mas cegos ainda pela vaidade do nome, só se submetiam ao trabalho em terra extranha.»
Francisco d'Ornelas, irmão segundo de Manuel d'Ornelas, compreendeu cedo que toda a fortuna paterna seria deste. Ouvia as narrativas fantásticas das riquezas do Brasil, para onde vinham colonos em todos os navios. Muito jovem, fugiu da casa paterna, meteu-se numa leva de emigrantes e com ele se embarcou para tentar a sorte com o trabalho. O primeiro emprego que obteve em Pernambuco foi o de criado. Era humilhante demais para a prosápia dos Dornelas. Mudou de nome. Ainda assim, tomou o apelido Fernandes, do seu bisavô António Fernandes, das Covas, do Faial, e o apelido Vieira, do seu terceiro avô paterno Pedro Vieira, grande morgado da Ribeira de Machico, na ilha da Madeira, e juntou-os ao prenome João, também do seu segundo avô materno João Mendes. E creou o nome completo de João Fernandes Vieira com que se fez no Brasil e que passou á Historia, mais dignificado pelos seus feitos do que aquele que lhe deram os pais na pia batismal».
O que fica transcrito é plenamente confirmado pelo extracto da certidão de baptismo descoberta pelo distinto genealogista cónego Fernando de Meneses Vaz e que ficou arquivada a página 19 do volume II desta obra.