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Santa Cruz (Freguesia de)

Lê-se na Insulana:

«Fazia todo junto, um bosque umbrozo Onde de um tronqo antigo derribado Foy hum sancto Patibulo preciozo Por mandado do Zargo fabricado; E no meyo do vale, entam fermozo Pellos seus portuguezes arvorado; Porque se Pouo ally se edificasse Da Sancta Cruz o nome lhe fiquasse».

Lá diz também o historiador das ilhas: passando huma volta que faz a terra, entraram em huma fermosa angra na praya, na qual viram hum fermoso e deleitoso valle coberto de arvoredo por sua ordem composto, onde acharam em terra huns cepos velhos derribados do tempo, dos quaes mandou o capitam fazer huma cruz, que logo fez alvorar em hum alto de huma árvore, dando nome ao logar Sancta Cruz, onde ao depois se fundou huma nobre villa...»

Para comemorar o facto da erecção da cruz por ocasião do descobrimento, fez se levantar no próprio local, segundo se diz a tradição, um cruzeiro de mármore, que um tufão derribou no ano de 1889, sendo reconstruído no seguinte. A antiga cruz de mármore tinha as armas dos Monizes, sendo provavelmente um membro desta família que a mandou construir. Fica assim cabalmente explicada a origem do nome desta freguesia, que é das mais antigas e um dos lugares em que mais remotamente se iniciou a colonização da Madeira.

Cresceu logo em importância a freguesia e se desenvolveu com notável rapidez, ombreando sem demora com a vizinha e rival povoação de Machico, que em breve chegou a suplantar, segundo se lê em alguns documentos antigos, excepção feita à situação de que aquela gozava como sede da capitania e residência dos donatários.

Das freguesias mais antigas desta ilha, como Machico, Santa Cruz, Câmara de Lobos, Ribeira Brava, etc , não se sabe com inteira precisão o ano em que foram criadas, constituindo elas primitivamente centros de população ou fazendas povoadas, com suas capelas e capelães privativos, como fizemos já notar acerca da ultima daquelas paróquias. Santa Cruz, como freguesia autónoma, teria sido criada no segundo quartel do século XV. Diz o erudito anotador das Saudades que «Santa Cruz foi creada pouco depois de constituída a de Machico, tendo esta a precedência unicamente por ser cabeça da capitania». Tem aqui aplicação o que em outro lugar dissemos acerca da criação da freguesia de Machico (volume II, pagina 294), não sendo muito provável que esta paróquia e a de Santa Cruz fossem criadas posteriormente ás freguesias de Câmara de Lobos, Caniço e Ribeira Brava, como pretende o Dr. Alvaro de Azevedo.

O diploma mais antigo respeitante a esta paróquia, que vem citado no Indice Geral do Registo da Provedoria, é o alvará régio de 5 de Dezembro de 1580, arbitrando ao vigário o vencimento anual de 24$756 réis, que foi elevado a 15$000 réis em dinheiro, 4 moios de trigo e 2 pipas de vinho, pelo alvará de 9 de Julho de 1590. Foram-lhe ainda acrescentados 3.9000 anuais no ano de 1600. 0 pároco mais antigo de que há conhecimento pelo arquivo paroquial é Fr. Hercules da Cunha, natural da Calheta, que já ali desempenhava aquelas funções em 1538. Sucederam-lhe João Drumond, por 1597 o licenciado Belchior Rebelo (1604), Francisco Duarte Morais (1622), Antonio da Rocha (1637), Henrique Madureira de Figueiredo (1650), Tristão de Mendonça Vasconcelos (1674), Manuel Ferreira Teixeira (1687) o licenciado Antonio Ferreira de Andrade, (1693) e Estevão Lomelino de Vasconcelos (1709).

Por alvará régio de 27 de Agosto de 1589, foi criado um curato nesta freguesia, com a côngrua de 20$00 réis anuais, a que o alvará de 23 de Maio de 1747 acrescentou 40$000 réis também anuais.

Afirmámos (volume II, página 294) que a colegiada de Machico fora estabelecida pelo alvará régio de 18 de Junho de 1572, quando é certo que nessa época já estava criada, bem como a de Santa Cruz, dizendo aquele diploma respeito ao aumento feito ao vencimento dos seis beneficiados das duas colegiadas, que de 10$00 réis anuais passaram a ter 12$000 réis. Os alvarás régios de 9 de Julho de 1590 e 2 de Janeiro de 1610, elevaram, respectivamente aqueles ordenados a 21$000 réis anuais, e 61$000 réis em dinheiro, 2 moios de trigo e 1 pipa de vinho, também anuais.

O alvará régio de 17 de Novembro de 1557 criou o lugar de pregador, sendo depois este cargo cometido ao guardião do convento da mesma freguesia, que por si ou pelos seus religiosos o desempenhava em virtude do alvará de 15 de Outubro de 1644, tendo o ordenado de 30$000 réis anuais.

Teve também esta colegiada o lugar de organista, criado anteriormente a 6 de Fevereiro de 1592, pois que um diploma desta data lhe eleva o vencimento a 6$000 réis anuais.

A freguesia teve sua sede numa pequena capela que ali se levantou logo nos primeiros tempos da colonização e cuja invocação seria provavelmente São Salvador, que é o actual orago da igreja paroquial. Um antigo nobiliario dá-nos a informação de que este templo foi edificado no ano de 1533, sob a direcção de João de Freitas (volume II, página 54), fidalgo da Casa Real, a quem o monarca, por provisão de 29 de Setembro daquele ano, fez mercê da capela-mor para seu jazigo e de sua família, em atenção ás despesas e trabalhos que teve nessa construção.

Tem passado o templo por diferentes reparações e consertos havendo já quem aventasse a ideia de que as naves laterais não são da primitiva edificação, o que nos parece pouco admissível. É a mais vasta igreja fora do Funchal, de três naves, embora algures se leia que não são três naves bem definidas. Encontra-se em regular estado de conservação e há dentro dela, diz o anotador das Saudades, «além dos altares mais três capelas, que são: a capela-mor, a qual o rei concedeu a João de Freitas, por seus serviços, e especialmente por ter dado o terreno para o templo, e curado da edificação delle; a capela de São Thiago, hoje do Santíssimo Sacramento, fundada por João de Morais; e a das Almas, pertencente aos Pereiras, oriundos do Porto Santo».

Existem nesta freguesia as capelas de São Pedro, Santo Amaro, Nossa Senhora dos Remédios, Nossa Senhora da Piedade, Nossa Senhora da Conceição e Santa Isabel. Outras capelas houve que a acção do tempo e a incúria dos homens fizeram desaparecer, e que eram as de Santa Catarina, São Lazaro, Nossa Senhora da Graça, São Gil, São Francisco Xavier, Nossa Senhora da Penha de França, Jesus Cristo, Nossa Senhora do Rosário, São José, São Fernando e São Sebastião. Em outro lugar desta obra se dará sucinta noticia destas capelas.

Um numero avultado de nobres e cavaleiros fizeram assentamento nesta freguesia nos tempos da colonização, alguns dos quais instituíram casas vinculadas e foram tronco de distintas famílias. Entre esses, mencionaremos Antão Alvares de Carvalho, João Escorcio Drumond, João de Freitas (Volume II, pagina 54), Urbano e João Baptista Lomelino (Volume II, página 281), Pedro Alvares de Almadas Nuno da Costa, João Afonso Escudeiro (Volume I, página 136), Pedro Lopes de Figueiredo, Rui Gramacho, Lopo Lordelo, Antão Alvares de Sousa. etc..

Alguns membros da família de João de Freitas se distinguiram heroicamente nas nossas campanhas da Africa e da Asia, e ao assunto deste artigo interessam os seguintes períodos, que encontramos num antigo documento: «Jordão de Freitas, de cujas acções nos informam largamente os historiadores da Asia, nasceu na villa de Santa Cruz e foi capitão de Moluco, senhor das ilhas de Amboino e Siam, por doação de D. Manuel, rei de Ternate, no ano de 1537, confirmada por el-rei D. João 3.° no ano de 1543. Gonçalo de Freitas da Silva, seu filho e natural da mesma villa, serviu valorosamente na Índia, onde teve o mesmo senhorio, confirmado por el-rei D. Sebastião no ano de 1574. Jordão de Freitas da Silva, filho deste, foi embaixador a França sobre a cobrança da artilharia e mais fazenda da armada, que lá se perdeu no ano de 1626, falleceu nesta pretensão, por cujo serviço teve seu filho Gonçalo de Freitas a comenda de Santa Maria de Lisboa, na ordem de Christo».

Já nos ocupámos nesta obra dos ilustres santacruzenses Fr. Remigio da Assunção (volume I, página 101) e cónego Alfredo Cesar de Oliveira (volume III, página 9).

Os principais sítios desta freguesia são: Vila, Serrado da Vila, Morena, Estreito, Espigão, São Fernando, Palmeira, Rego, Regadinhas, Lombo da Calçada, Fonte dos Almocreves, Eiras Velhas, Bom Jesus, Fazenda, Lombada, Dona Mecia, Fajocos, Ribeira de Santa Cruz, Águas Belas, Moinho da Serra, Levadas, Roma, Moreno, Eiras, Janeiro, Terça, Santa Catarina, Cano, São Sebastião, Calçada de São Gil, São Gil e Relação.

Tem esta freguesia 7.054 habitantes (1921).

Pessoas mencionadas neste artigo

Antonio Ferreira de Andrade
Licenciado
Antonio da Rocha
1637
Belchior Rebelo
Licenciado
Estevão Lomelino de Vasconcelos
1709
Fr. Hercules da Cunha
Pároco mais antigo
Francisco Duarte Morais
1622
Henrique Madureira de Figueiredo
1650
João Drumond
Por 1597
João de Freitas
Fidalgo da Casa Real, responsável pela construção da capela-mor em 1533.
Manuel Ferreira Teixeira
1687
Tristão de Mendonça Vasconcelos
1674

Anos mencionados neste artigo

1533
Construção da capela-mor sob a direcção de João de Freitas.
1538
Fr. Hercules da Cunha desempenhava aquelas funções
1557
Criação do lugar de pregador pela alvará régio.
1572
Colegiada de Machico fora estabelecida
1580
Arbitrando ao vigário o vencimento anual
1590
Pelo alvará de 9 de Julho
1592
Criação do cargo de organista.
1600
Foram-lhe ainda acrescentados 3.9000 anuais
1747
A que o alvará de 23 de Maio acrescentou 40$000 réis