Santana (Freguesia de)
É esta paróquia, sem possível contestação, uma das mais belas da Madeira e a mais pitoresca e encantadora de todo o norte da ilha. Não vamos descreve-la debaixo do ponto de vista da paisagem e das suas belezas naturais. A pena, em contacto intimo e prolongado com nomes, datas e factos, esterilizou-se, e já não se amolda ao género literário em que as galas pomposas da poesia se adaptam facilmente á justeza e ao rigor do descritivo. E de mais que esta freguesia tem sido cantada em prosa e verso por tão brilhantes e autorizadas penas!
É a freguesia da Madeira que tem grandes traços de semelhança com a nossa pitoresca província do Minho, o chamado Jardim de Portugal. Um detalhe, digno do maior apreço, convém acentuar aqui: os caminhos mais centrais da freguesia de Santana transformam-se nas quadras primaveril e estival nos passeios duma vasta e encantadora quinta. Ladeiam-nos sebes de buxos, hortensias, fetos e mimos (fúcsias) que, á mistura com uma grande exuberância de flores, dão a essas estradas um encanto e um atractivo que em nenhuma outra parte se podem encontrar. É um pormenor que merece especial registo, por ser único na Madeira e não se encontrar por certo, com muita frequência, por esse mundo além...
Não sabemos quando começaria o arroteamento das terras desta paróquia e, portanto o inicio da sua colonização e povoamento. Lopo Fernandes Pinto, que morreu em 1500, «teve de sesmaria, diz o Dr. Rodrigues de Azevedo, boa parte da freguesia de Santana, e as terras chamadas da ilha, donde se formaram dois morgados...» Entre os antigos povoadores conhecem-se Jeronimo Cordeiro, Guterres Teixeira, Cristovão Gomes, Manuel Gil, João Dias, Simão Alvares, que deu nome a um sítio, etc.. Gaspar Frutuoso referindo-se em 1590 a esta freguesia, diz: «são terras de lavrança, de muito pão e criações; tem muita castanha e noz, e muitas águas e fructos de toda a sorte».
Não deixam de ser muito interessantes, apesar de um tanto hiperbólicas, as palavras que o padre Fernando Vaz consagra a esta freguesia, quando pretende justificar o orago que lhe foi dado, de Santana. Ei-las: «Quadrou admiravelmente como padroeira Sant'Ana, de quem na epistola da sua festa se canta Non timebit domui suae a frigoribus nivis, pois no inverno, não o podemos negar,é uma das mais frias da ilha, por ser muito alta. Da mesma epistola parece que os santanenses tiram o programa da sua vida. São trabalhadores denodados, e por isso pode dizer-se daquela gente: Panem otiosa non comedit. É ali que se tecem os melhores e mais afamados panos de linho chamado de favo e de moio: Sindonem fecit et vendidit. 0 fuso e a roca que, outrora, foram manuseados pelas próprias rainhas, ainda ali não foram relegados, donde se ajustam aquelas palavras: Digiti ejus apprehenderunt fusum. Quando a manhã nem pensa em raiar, já a candeia no interior das palhotas alumia os primeiros labores, para que mais uma vez seja verdadeiro o Non extinguetur in nocte lucerna ejus. Sempre que se oferece ocasião, compra o lavrador a leira que seus pais amanharam e onde, de pequenos, foram criados, ao que convém aquilo:–Consideravit agrum et emit eum. A mulher santanense não é a mulher frívola, petulante, luxuosa, vestida á ultima e pior moda, pelo que lhe cabe com justiça, tu supergressa es universas. Finalmente, diante de tanta beleza e virtude, não podem deixar de exultar aqueles gue ali nasceram, dando-se por felizes por terem tão honrado berço: surrexerunt filii ejus et beatissimam praedicaverunt».
No mesmo artigo donde foram transcritos estes trechos, lê-se: «que o povo desta freguesia, embora laborioso e honesto, não deixa de ser desconfiado e... malicioso. No que diz respeito a tributos, impostos e cousas semelhantes, parece açoreano. Que falem os acontecimentos por causa das juntas de Paróquia (volume II, pagina 205), há uns 36 anos e das matrizes, e outras que tantos sustos causaram aos empregados públicos e deram azo a revindictas políticas e a lamentaveis excessos».
Os terrenos que constituem esta paróquia pertenceram primitivamente á freguesia de S. Jorge, donde se desmembraram por meados do século XVI. Uma pequena capela da invocação de Santana deu o nome ao sítio, ás terras circunvizinhas e depois a toda a freguesia. Assim sucedeu com todas as paróquias que nesta ilha tem um nome de carácter não profano, como já noutros lugares fizemos notar.
O anotador das Saudades dá esta freguesia como criada pelo alvará régio de 4 de Junho de 1552. A primeira criação feita por este diploma é de uma capelania-curada, que não correspondia a uma paróquia autónoma. O primeiro capelão exerceu cumulativamente este lugar com o de pároco de São Jorge. Pelo citado alvará, fôra arbitrado ao referido cura ou capelão 8.000 réis anuais pela paroquialidade de São Jorge e um moio de trigo e uma pipa de vinho pelo serviço em Santana os alvarás régios de 16 de Fevereiro de 1565; 1 de Março de 1577 e 9 de Junho de 1581, que encontramos citados no Índice Geral da Provedoria da Fazenda, referem-se sempre ao capelão-curado e fixam-lhe os vencimentos, respectivamente, em 12.000 réis em dinheiro e um moio de trigo, em 20.000 réis e em 25.000 réis. No alvará de 1 de Dezembro de 1588, já se chama vigario-curado ao sacerdote que exercia ali as funções paroquiais, estabelecendo-lhe a côngrua anual de trinta alqueires de trigo e um quarto de vinho. Será talvez a partir da data deste diploma, ou pouco tempo antes, que Santana começou a constituir uma freguesia verdadeiramente independente e autónoma.
O primeiro capelão-curado exerceu o cargo, como já se disse, juntamente com o de pároco de São Jorge no período de 13 anos. Por 1565 que teve capelão privativo, o padre Sebastião de Moraes, que ali paroquiou por trinta anos sucedendo-lhe Cristovão Pires, que foi pároco até 1632. Podemos dar nota dos seguintes eclesiásticos que nesta freguesia desempenharam funções paroquiais: Manuel Teixeira (1635-1671), Cosme Pais da Cunha (1672-1681), Antonio Luís da Silva (1681-1690), Gabriel Pontes de Miranda (1694-1707), Antonio Telo de Meneses (1707-1730), Inacio de Freitas Leal (1730-1743), Antonio Teixeira (1744-1769), Antonio Francisco da Cruz Pestana (1770-1777), Miguel Caetano Moniz (1777-1789), José Gomes de Andrade (1789-1799) João de Freitas Pestana (1799-1809), Jeronimo Alvares da Silva Pinheiro (1815-1829) Marcelino João da Silva (1835-1864), Hipolito Cassiano de Freitas, João Mauricio Henriques, João Gomes, Alfredo de Paula Sardinha, João Quirino Gonçalves e Joaquim Fernandes, que é o pároco actual (1921) e desde o ano de 1905.
Ignora-se o ano da edificação da primitiva capela de Santana, que foi a sede da capelania-curada e depois da paróquia, tendo passado por varias transformações até que se demoliu ao ser construída a igreja actual nos fins do século XVII. Acerca deste templo, encontramos num artigo do padre Fernando de Menezes Vaz, publicado no Correio da Madeira, de 10 de Abril de 1923, as seguintes informações: «Foi construído em 1698, dispendendo o governo a quantia de 1.193$000 réis, sendo 36 anos depois concertado. A sacristia edificada no lado norte, foi feita depois, em 1745, no lado sul, por ser o local; mais seco e conservarem-se nela melhor as alfaias e paramentos. Por essa ocasião foi também levantada a sineira. No primeiro quartel do século XIX encontrava-se o soalho do templo muito danificado, ou por outra, estava a igreja sem pavimento, tendo o povo de acarretar molhos de murta, que espalhava pelo chão para poder ajoelhar. Organizou-se então uma comissão composta do padre Marcelino João da Silva, Carlos Frederico Accioli e o tenente Francisco Antonio Jardim para angariar donativos, afim de a assoalharem de novo, como foi levado a efeito. De ha poucos anos a esta parte, tem sido forrada de novo, pintada, assoalhada, embelezado o seu adro e arredores, o que se deve á actividade e iniciativa do seu actual e zeloso pároco Joaquim Fernandes».
Existem nesta freguesia a capela de Santo Antonio, no sítio do mesmo nome, de que noutro lugar nos ocuparemos, e um hotel muito frequentado durante a estação calmosa.
Sítios principais: Igreja, Parlatorio, Barreiro, Serra de Água, Faias, Caminho Chão, Pico do Tanoeiro, Achada do Gramacho, Achada da Cruz, Fonte Grande, Pinheiro, Pico Silveira, Curral Velho, Fonte da Pedra, Serrado, Achada do Pampilar, Queimadas e Fontes, Pico de Antonio Fernandes, Achada de Simão Alves, Lombo do Curral, Feiteira de Nuno, Feiteira de Cima, Lamaceiros, Ponte, Achada de Santo Antonio, Vinhátego e Covas. Foi no ilhéu que fica nas proximidades do sitio que tomou o nome de Rocha do Navio, que no dia 24 de Dezembro de 1860, devido a um violento temporal, naufragou a galeota holandesa Alfa, que se dirigia de Inglaterra para a ilha de Haiti, tendo-se salvo a tripulação, composta de sete indivíduos. Entre os muitos sítios pitorescos desta freguesia, merecem especial menção e são dignos duma visita o Pico do Cortado, Achada de Santo Antonio, Achada do Gramacho, Miradouro, Rocha do Navio, Cortado, Cumiada Altas Queimadas, Caldeirão Verde, Homem em Pé, Cova da Roda, etc.. Tem esta freguesia duas escolas oficiais e é a sede dum partido medico, que abrange todas as freguesias do concelho. A sua população é de 3107 habitantes (1921).