História

Restauração de Portugal

Pelos fins de Dezembro de 1640, tocou na Madeira um navio em viagem de Cádis para as Canárias, trazendo a noticia de que no Continente se tinham dado graves acontecimentos, mas ocultando propositadamente os pormenores da revolução de 1 de Dezembro e bem assim que o duque de Bragança havia sido proclamação rei de Portugal.

Foi a 8 ou 9 de Janeiro de 1641 que chegou ao nosso porto uma caravela e que pela sua tripulação se teve conhecimento de toda a verdade. Era o navio portador de cartas dirigidas pelo novo soberano ao governador e capitão-general da Madeira Luis Miranda Henriques e ao bispo D. Jeronimo Fernando, comunicando-lhes o extraordinário sucesso da libertação de Portugal do jugo castelhano e ordenando-lhes que sem perda de tempo se procedesse á proclamação da independência da nação e que, por todas as autoridades e funcionários, e ainda pelos membros do clero e da nobreza e representantes do povo, fossem prestados termos de vassalagem e de fidelidade ao novo rei e ao governo legalmente constituído.

A noticia espalhou-se rapidamente pela cidade, sendo recebida com imenso júbilo pela população, resolvendo logo o senado, de acordo com as principais autoridades, convocar toda a nobreza, clero e povo para uma grande reunião na casa da Câmara no dia 11 de Janeiro de 1641, afim de aí ser aclamado e reconhecido o novo monarca.

Nesse dia, achando-se presentes no referido local o governador, o bispo, os juízes ordinários Luís Francisco de Oliveira e Diogo Pereira da Silva, os vereadores João Baptista Acciaioly e Antonio de Carvalhal Esmeraldo, o procurador do concelho D. Antonio Dias, os mesteres Pedro Rodrigues, Simão Lopes, Francisco Gomes e Lourenço Gonçalves, o capitão do presídio castelhano, D. Tomás Velasquez Sarmento, e os representantes do clero, nobreza e povo, declarou o mesmo governador a todas as pessoas presentes «que tinha carta do muito alto e muito poderoso senhor rei D. João IV, em que lhe fazia saber a geral conformidade com que estava alevantado por legitimo rei e senhor dos seus reinos de Portugal».

Lida que foi esta carta pelo governador, passou o bispo a apresentar a que havia também recebido do novo rei, depois do que toda a assembleia aclamou com grande alvoroço e entusiasmo a D. João IV, que logo foi reconhecido por verdadeiro soberano dos portugueses, lançando-se em seguida nos livros do senado um auto da cerimónia que acabava de realizar-se que é um documento interessante e que foi pela primeira vez publicado no Heraldo da Madeira, de 1 de Dezembro de 1906.

Comemorou a Igreja com um solene Te Deum, realizado na catedral, a aclamação de D. João IV, e, na noite do dia 11 e nas imediatas, houve em toda a cidade brilhantíssimas iluminações para festejar um acontecimento que enchia de jubilo os corações dos verdadeiros portugueses.

O comandante do presídio castelhano D. Tomás Velasquez Sarmiento, apesar de dispor dalgumas forças nada fez para se opor á vontade dos madeirenses, e entregando as fortalezas e aceitando quartel tanto nestas como nas vilas, aguardou sossegadamente a chegada de um navio que o transportasse à Espanha.

A cerimónia do juramento de fidelidade ao novo soberano, por parte do clero, nobreza e povo, teve lugar no dia 13 de Janeiro, na casa da câmara, e no dia 25 foram chamados diversos cidadãos portugueses para ocuparem cargos do senado, que estavam sendo desempenhados por espanhóis. Pero Catanho foi eleito juiz do povo, Martim Mendes de Vasconcelos, vereador, e Gonçalo de Freitas da Silva, procurador do concelho; para o lugar de almotacé foi nomeado Pedro Rodrigues Neto.

Reconhecido o novo soberano em toda a ilha, sem a menor resistência, e preenchidos por cidadãos portugueses os diferentes cargos públicos, restava apresentar a D. João IV as felicitações e homenagens dos madeirenses, e dar-lhe conta do geral aplauso com que fora recebida a noticia de que estava sentado no trono um monarca genuinamente português.

No dia 26, foi chamado á câmara o mestre Francisco Rodrigues Belo, sendo-lhe aí intimada a ordem de, sob pena de 200 cruzados de multa e quatro anos de degredo para fora da ilha, aprontar dentro de oito dias uma caravela destinada a levar ao Reino as cartas que o senado ia escrever a D. João IV, e no dia 16 de Fevereiro foram eleitos o vereador Martins Mendes de Vasconcelos e o mester Pedro Rodrigues para serem portadores das mesmas cartas e beijarem na corte a mão do monarca em nome dos habitantes da Madeira.

Declarou o vereador Martim Mendes de Vasconcelos que todas as despesas com a sua ida à capital correriam por sua conta, e não pela do senado, «pois todos os seus haveres eram poucos para gastar no serviço de Sua Magestade».

A caravela com os dois representantes do senado só veio a sair para Lisboa nos princípios de Março, pois os dois vereadores João Baptista Acciaioly e Antonio de Carvalhal Esmeraldo que a princípio tanto zelo e interesse haviam revelado pelo serviço do novo monarca, deixaram a partir de certa data de assistir ás sessões camarárias, dificultando com a sua ausência a expedição das cartas, que era da praxe serem assinadas por todos os membros do senado.

Foi preciso a nobreza, o povo e a câmara, realizados no dia 26 de Fevereiro, elegerem para vereadores a Antonio de Aragão de Teive e a Baltasar de Abreu Berenguer, para as cartas dirigidas ao monarca serem finalmente assinadas e poderem seguir para o reino no navio do mestre Rodrigues Belo.

A 12 de Abril do mesmo ano de 1641, reunidos uma vez mais na casa da câmara a nobreza, os representantes do povo e o senado, foi resolvido por unanimidade que, a exemplo do que haviam feito as cidades, vilas e lugares do reino, contribuísse o Funchal com um donativo voluntário para as despesas da guerra que a nação ia sustentar com Castela. Declararam muitas das pessoas presentes que estavam resolvidas a dar não só os seus bens, mas também as suas vidas, se tanto preciso fosse, para defender a pátria do jugo dos castelhanos.

«A ilha do Porto Santo, diz Rebelo da Silva, seguiu o exemplo da Madeira, mal teve conhecimento da revolução do 1.° de Dezembro de 1640. Recebidas as participações do Funchal em 5 de Fevereiro, os moradores, que uma esquadra de doze velas otomanas tinha quasi bloqueados, saudaram a nova com repetidas salvas de artilharia e mosquetaria. Os turcos espantados do ruído, e ignorantes da causa dele, julgaram prudente ceder e desapareceram». A separação do arquipélago da Madeira dos domínios castelhanos não custou uma única gota de sangue e consumou-se com manifesto assentimento de todas as classes sociais. Os horrores dum cativeiro de 60 anos tinham avivado no coração dos madeirenses o amor da liberdade, de forma que, mal foi conhecida a noticia da revolução do 1.º de Dezembro, logo todos se uniram para festeja-la com entusiasmo e sem receio das tropas castelhanas que a esse tempo se achavam na ilha. Foi a Madeira a primeira possessão portuguesa que proclamou D. João IV, e o alvoroço patriótico com que tal cerimónia se realizou, mostra-nos que não era menos intenso aqui do que no Reino o ódio ao usurpador e o amor pela independência nacional.

Domínio Filipino.

Anos mencionados neste artigo

1640
Revolução de 1 de Dezembro
Revolução do 1.° de Dezembro
1641
Proclamação da independência da nação, aclamação e reconhecimento do novo monarca, juramento de fidelidade ao novo soberano