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República (Proclamação da)

A noticia da proclamação da Republica na capital foi conhecida na Madeira na tarde do dia 5 de Outubro de 1910, chegando pouco depois um telegrama anunciando a constituição do governo. No dia 6, o Dr. Manuel Augusto Martins investido, em virtude de telegrama do novo governo, na autoridade superior do distrito, conferenciou acerca dos acontecimentos com o conselheiro António Jardim de Oliveira, secretario geral servindo de governador civil, e com o coronel Valeriano José da Silva, comandante militar, e sendo-lhe declarado por estas autoridades que não tinham recebido comunicação oficial de se achar implantada a Republica no país, imediatamente ele telegrafou para Lisboa pedindo que essa comunicação fosse feita, afim de poder tomar posse do lugar para que fora nomeado e ser reconhecido pelos madeirenses o novo governo.

A comunicação ao comandante militar não se fez esperar, declarando então esta autoridade que se não opunha a que fosse hasteada a bandeira republicana na fortaleza de São Lourenço e a que as forças lhe prestassem as devidas honras, realizando-se estes actos pouco depois na fortaleza de S. Lourenço e assistindo a eles o Dr., Martins e vários correligionários, que se haviam postado na varanda do Club Restauração, que deita sobre a avenida de Gonçalves Zargo. A nova bandeira foi saudada militarmente pela guarda, que tinha formado para esse fim, tocando uma filarmónica nessa ocasião a Portuguesa, que todos ouviram em silêncio e com o maior acatamento. Usaram da palavra na referida varanda o Dr. Martins, Azevedo Ramos, o Dr. Pestana Júnior e o Dr. Gonçalves Preto, aconselhando todos ordem ao povo e o respeito individual.

A posse do novo governador civil, conferida pelo oficial Octaviano Soares, visto o secretario geral se não achar presente, teve lugar antes da cerimónia a que acabamos de nos referir, sendo içada a bandeira revolucionária no mastro do Governo Civil e ouvindo-se nessa ocasião a Portuguesa. O Dr. Martins levantou vivas à Republica, á Liberdade e á Pátria, que foram calorosamente correspondidos pelo povo que se achava na rua.

Á noite, numerosos grupos, acompanhados das filarmónicas Artistico-Madeirense e artistas Funchalenses, percorreram as ruas da cidade, queimando fogos de Bengala e dando vivas à Republica. Ao terminar a manifestação, falou Azevedo Ramos ao povo numa das janelas do centro do «Dr. Manuel de Arriaga».

No dia 7, pelas 9 horas e meia da manhã, foi hasteada a bandeira republicana na fortaleza de S. Tiago, salvando a bataria, pela 1 hora da tarde, realizou-se cerimónia idêntica na fortaleza de S. Lourenço, com a assistência do regimento de infantaria n.° 27 que, trazido por alguns sargentos, saíra do seu quartel, armado de espingardas e baionetas, em contravenção da ordem de prevenção que fora dada pelo comandante a fim de poder acudir a qualquer pedido da autoridade administrativa, no caso de alteração da ordem publica.

Na Praça da Constituição, compareceram alguns oficiais, entre os quais o capitão Henrique Luís Monteiro, que tentou impor disciplina ás tropas, não sendo porém atendido, subindo então a um banco da mesma praça o Dr. Pestana Júnior, administrador do concelho do Funchal, que declarou que nenhum oficial do regimento atentaria contra o novo regímen político, segundo lhe havia declarado o mesmo capitão sob sua palavra de honra, e que nestas condições as praças deviam obedecer aos seus oficiais e entrar na ordem. Acrescentou o Dr. Pestana Júnior que, para si, a palavra de honra do capitão Henrique Monteiro era um penhor que muito respeitava.

Pouco depois chegava ao largo da Restauração o major de artelharia Goulart de Medeiros, conhecido como republicano e que todos supunham haver concorrido para que as tropas saíssem do seu quartel, o qual, depois de haver conferenciado com o distinto e brioso oficial o capitão Henrique Monteiro, se dirigiu também ás tropas ali reunidas, exortando-as á obediência, visto a oficialidade do regimento haver aderido ao novo regimen, sendo alvo duma entusiástica manifestação de simpatia tanto da parte dos sargentos e soldados como do povo. No entretanto, era içada na fortaleza de S. Lourenço, por um oficial do regimento, a bandeira republicana, apresentando-lhe armas as fôrças e erguendo o Dr. Pestana Júnior vários vivas que foram entusiasticamente correspondidos pelo povo. Tendo comparecido, a pedido das tropas, a banda de musica de infantaria n.° 27, foi, por ordem do comandante militar, arriada a bandeira e de novo hasteada ao som da portuguesa, com as devidas honras, estando já a esse tempo a força sob o comando de oficiais, conforme havia pedido no seu discurso o major Medeiros. Ao passarem da praça da Constituição para o largo da Restauração, onde, como dissemos, o mesmo oficial fez uso da palavra, tinham-se recusado as praças a serem comandadas pela oficialidade, sendo o sargento-ajudante quem as dirigia. Em seguida, o regimento acompanhado da respectiva banda de música, que tocava a Portuguesa, e sob o comando do major Luis Correia Acciaioly, percorreu as ruas de S. Francisco, Carreira, João Tavira, Aljube, Ferreiros, Príncipe, rampa de D. Manuel, largo do Pelourinho e Campo de D. Carlos, indo saudar a bataria n.° 3 de artilharia de guarnição, que se não associou ás manifestações do regimento de infantaria e manteve sempre a maior disciplina, sob o comando do capitão João Augusto Pereira. No quartel de artilharia, onde entraram muitos populares, foram erguidos alguns vivas á Republica, prosseguindo depois as tropas e o povo pela rua de Santa Maria, largo do Pelourinho, rampa de D. Manuel, ruas do Príncipe e Ferreiros, largo do Colégio e rua do Castanheiro, e dando finalmente entrada no seu quartel, onde tiveram lugar novas manifestações de regozijo. A pedido dos sargentos e praças de infantaria, o comandante militar coronel Valeriano José da Silva deu por concluída a prevenção do regimento e mandou retirar o busto e o retrato de D. Manuel II, que se achavam no seu, gabinete do quartel, determinado igualmente que cessasse o cumprimento de todas as penas disciplinares. Chamou-se ao movimento de tropas que teve lugar no dia 7 uma manifestação publica de adesão á Republica, mas aqueles que analisaram os factos a sangue frio, consideraram esse movimento como uma insubordinação de carácter grave, embora pouco para estranhar num período revolucionário, em que a disciplina e os regulamentos militares são em geral pouco respeitados. Vimos nas proximidades da antiga praça da Constituição muitos ingleses que na manhã do dia 7 haviam desembarcado no Funchal fugirem espavoridos ao avistarem os soldados armados que se dirigiam em desordem para a mesma praça, mas manda a verdade que se diga que, afora a indisciplina e a recusa dos mesmos soldados em atender as ordens dos seus oficiais, nada mais digno de censura houve a registar nesse dia, quer da parte da tropa quer da do povo. A proclamação da Republica fez-se na Madeira sem obstáculos de qualidade alguma, e, apesar de alguns actos insensatos praticados depois por indivíduos facciosos e pouco respeitadores das opiniões e crenças alheias, foi o novo regímen bem acolhido por quase toda a gente, pois se supunha então que á sombra dele entraria a moralidade na administração dos rendimentos do Estado e não mais se cometeriam os erros e desvarios que tanto haviam desacreditado os governos dos últimos tempos da monarquia.

Pessoas mencionadas neste artigo

António Jardim de Oliveira
Secretario geral servindo de governador civil
Azevedo Ramos
Falou ao povo numa das janelas do centro do «Dr. Manuel de Arriaga»
Dr. Manuel Augusto Martins
Investido, em virtude de telegrama do novo governo, na autoridade superior do distrito
Dr. Pestana Júnior
Administrador do concelho do Funchal
Goulart de Medeiros
Major de artelharia conhecido como republicano
Valeriano José da Silva
Comandante militar

Anos mencionados neste artigo

1910
Proclamação da Republica na capital