Peste
O flagelo da peste que em antigos tempos repetidas vezes salteava Portugal, também se fêz sentir com grande intensidade na Madeira no primeiro e no segundo quartel do seculo XVI. Frutuoso, o historiador das ilhas, refere-se a êle nos termos seguintes: «No ano de 1521, quando El-Rey D. Manuel faleceu, havia no Funchal grande mortandade de peste, de que Deus nos livre; e porque bavia annos que ella andava na cidade, o Capitão Simão Gonçalves e a Camara elegeram por sortes por Padroeiro da mesma cidade ao Apostolo Santiago Menor, ao cabo da qual lhe fizeram uma boa casa, onde foram em procissão. E porque, sem embargo disso a peste não cessava, no anno do Senhor de 1538 inspirou Deus em todos, como em hum coração a vontade, que não houvesse Guardas Mores, nem Menores, e na mesma procissão que se fez por seu dia o primeiro de Mayo, lançaram pregão que todos os feridos deste mal, e os sãos fossem juntamente misturados a sua casa, onde lhe offereceram no altar as varas dos Guardas, as quaes hoje ahi estão por memoria; e quando tornaram, vieram os feridos todos sãos; e daquelle dia até hoje pelos merecimentos do Bemaventurado Santiago, não houve mais peste na ilha da Madeira, bemdito seja o Senhor! Pelo que, se faz em lembrança desta mercê muita festa a este Santo por seu dia, como que fora Corpo de Deus.» Do que diz Frutuoso a pag. 221 das Saudades da Terra, se vê que a peste que assolou a cidade do Funchal não atingiu a vila de Machico, visto que aí estiveram o bispo D. Ambrosio e dois visitadores até o dia de S. Tiago, no mês de Maio, em que «passado o perigo do mal contagioso, vieram os mesmos visitadores á cidade e executaram em toda a ilha seu officio, não com aquele mimo em que o bispado estava criado, antes com muito rigor e aspereza ...» O bispo D. Ambrosio voltou a Portugal apenas cumpriu na Madeira a missão de que fôra encarregado; quanto aos dois visitadores foram menos felizes, pois que, tendo escapado á peste, vieram a morrer num naufragio na costa de Sines, quando também retiravam para o reino, depois de terem cometido na ilha as maiores violencias para desfazer «os calos que os vicios tinham feito nas almas dos delinquentes», como diz o dr. Gaspar Frutuoso.