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Nogueiras (Viscondessa das)

D. Matilde Isabel de Sant'Ana e Vasconcelos Moniz de Bettencourt, viscondessa das Nogueiras, além de ter sido uma das mais respeitáveis damas madeirenses pelas suas eminentes virtudes e inapreciáveis dotes de coração, foi também um gentilíssimo espírito, um peregrino e privilegiado talento, que, noutro meio que não a Madeira, haveria certamente conquistado um nome ilustre na historia literária do nosso país.

Era filha de José Joaquim de Vasconcelos e de D. Francisca Emilia Teles de Meneses, ambos pertencentes às mais distintas famílias madeirenses, e nasceu nesta cidade a 14 de Março de 1805.

Revelando precoce talento e notável inclinação para o estudo, fácil foi ministrar-lhe uma esmerada educação, enriquecida no decorrer dos anos por um constante amor ao trabalho, que só abandonou quando a pertinaz doença e o peso acabrunhador dos anos de todo lho não consentiram.

Cedo encetou o seu trato com as letras, que sempre constituiu um dos maiores enlevos do seu espírito, sendo os seus primeiros trabalhos literários já reveladores duma grande inteligência e duma notável aptidão para diversos géneros de literatura. Prestou culto condigno às musas, escrevendo inspirados versos, sobretudo na sua mocidade, consagrando-se depois inteiramente ao cultivo da prosa, em que se revelou uma escritora de raros méritos.

Além de muitos artigos e poesias publicados em diversos jornais, escreveu o romance Soldado de Aljubarrota, e a obra didáctica dialogo entre uma avó e sua neta, que viram a luz da publicidade em Lisboa, merecendo este ultimo livro ser aprovado pelo Conselho Superior de Instrução Publica, para uso das escolas oficiais. Também lhe pertence a Nota ao mês de Maio, que acompanha a tradução dos Fastos de Ovidio, feita pelo visconde de Castilho.

A viscondessa das Nogueiras conhecia profundamente as línguas inglesa e francesa e desta ultima verteu para o nosso idioma algumas obras, das quais foram publicadas a Genoveva, de Lamartine e as Castelãs de Roussilon e a Vida de Santa Monica, de Bougaud.

Empreendeu a versão francesa do conhecido romance histórico de Alexandre Herculano, Eurico o Presbítero, que foi publicada em Paris, em 1888, por iniciativa do príncipe Nicolau de Oldenburgo, que tivera ocasião de ler o respectivo manuscrito e achara excelente a tradução.

Outras obras publicaria e de que não temos conhecimento, constando-nos que deixou inéditos alguns trabalhos literários de valor, não contando com os escritos que ficaram dispersos em varias publicações periódicas.

A ilustre senhora não abandonou nunca o estudo e até quasi ao fim da sua longa existência eram as suas predilecções literárias o mais caro entretenimento do seu esclarecido espírito. A tradução da Vida de Santa Mónica, talvez o seu último trabalho literário, foi feita em idade bastante avançada, quando já a poucos é permitido entregar-se aos exgotantes labores intelectuais. Sofrendo por vezes algumas enfermidades que a obrigavam a uma inacção forçada, soube aproveitar o tempo, dedicando-se à composição e tradução dos seus livros, encontrando assim no trabalho do espírito alívios aos seus padecimentos físicos.

O seu bondosíssimo coração foi muitas vezes angustiado por bem cruéis amarguras, não sendo, por certo, a menor delas a causada pelos tumultuários acontecimentos ocorridos nesta cidade no dia 8 de Março de

1868, em que ia sendo vitima seu filho, Jacinto de Sant'Ana e Vasconcelos, depois visconde das Nogueiras, de quem já nos ocupámos. Uma política facciosa e intolerante excitou os ânimos e levou uma multidão exaltada aos mais lamentáveis excessos, obrigando aquele nosso distinto patrício a recolher precipitadamente á embarcação que o trouxera da capital, quando se aproximava do local do desembarque, não sem correr grave risco a sua existência e com a perda da vida de alguns populares. Foram horas de terrível angustia para uma parte considerável da população desta cidade, que ainda muitos contemporâneos desses acontecimentos conservam bem vivas na memória. A viscondessa das Nogueiras, que tinha pelo filho uma verdadeira adoração, experimentou esse rude golpe e, depois o de ver sucumbir o esposo, que não pôde resistir aos embates de tamanho desgosto.

O grande poeta Bulhão Pato, ocupando-se nas suas Memorias, de Jacinto Sant'Ana, refere-se á viscondessa das Nogueiras, nos seguintes termos:

«Conheci a mãe de Sant'Ana, a senhora viscondessa das Nogueiras, D. Matilde, quando eu tinha vinte anos, durante meses que passei na Madeira, com um amigo de infância o Conde de Carvalhal. «Estava ela então na força da vida. Educação, carácter, beleza de rosto e graça de figura, distinção em tudo, e um talento superior, faziam desta senhora um dos entes mais encantadores que tenho conhecido»! «Compunha versos, admiráveis de mimo e sentimento. Escrevia prosa adorável. Num meio mais largo teria sido uma escritora de primeira ordem.

Sant'Ana adorava a mãe, e aquele homem destemido, impetuoso, quantas vezes o vi, chorando como uma criança, ao ler as cartas dela, que depois guardava em cofre sagrado, com o fanatismo do mais acrisolado amor.» A ilustre senhora sobreviveu um ano ao filho, que morreu ministro de Portugal em Washington, mas a piedade de suas netas ocultou-lhe a fatal noticia, falecendo sem dela ter tido conhecimento, aos 23 de Dezembro de 1888, na provecta idade de 83 anos.

Pessoas mencionadas neste artigo

Bulhão Pato
Grande poeta
D. Matilde Isabel de Sant'Ana e Vasconcelos Moniz de Bettencourt
Viscondessa das Nogueiras
Jacinto de Sant'Ana e Vasconcelos
Filho da viscondessa das Nogueiras

Anos mencionados neste artigo

1805
Nascimento de D. Matilde Isabel de Sant'Ana e Vasconcelos Moniz de Bettencourt
1868
Política facciosa e intolerante
1888
Publicação da versão francesa do romance histórico de Alexandre Herculano, Eurico o Presbítero, em Paris falecimento da viscondessa das Nogueiras