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Museu de Ciências Naturais

É bastante antiga a ideia do estabelecimento de um Museu de Ciências Naturais, tendo o benemérito governador civil José Silvestre Ribeiro lançado, há perto de um século, as bases dessa criação, para o que facultou algumas salas do Palácio de São Lourenço e auxiliou desveladamente com o seu prestígio e com os meios de que podia dispor para a sua definitiva instalação. Com a saída do conselheiro Silvestre Ribeiro desta ilha, o Museu, que embora fosse insuficiente e de acanhadas proporções, constituía já uma esperança, não tardou a desaparecer inteiramente.

A este assunto, presta um apreciável esclarecimento o que deixámos ligeiramente esboçado em um jornal desta cidade, no ano de 1934, que parcialmente vamos transcrever.

A Câmara Municipal do Funchal, na satisfação duma antiga e reconhecida necessidade, houve por bem criar, nesta capital do distrito, um museu de produtos das ciências naturais de carácter estritamente regional, seguindo a esteira da primitiva iniciativa do Governador Civil José Silvestre Ribeiro, que infelizmente não logrou uma grande duração, e completando o belo empreendimento do padre Ernesto Schmitz, com a instalação do Museu do Seminário, o qual tem sido objecto da maior admiração e apreço, por parte de distintos naturalistas, que a eles muitas vezes se referiram em trabalhos da mais alta cotação científica.

A superabundante riqueza da fauna madeirense tem atraído, desde longa data, as atenções de muitos homens de ciência e despertado o aprofundado estudo dos principais ramos de zoologia, determinado o aparecimento de algumas centenas de espécies bibliográficas, publicadas em vernáculo e em várias línguas estrangeiras.

Esses factos e outros ponderosos motivos, que com facilidade podem ser aduzidos, plenamente justificavam a criação dum museu de história natural, cuja semente lançada à terra, por um benemérito governador e ilustre homem de letras, germinou e frutificou passados oitenta anos, pujante de vida e com grande aprazimento de espírito dos estudiosos e do público em geral, devido à feliz e arrojada iniciativa da câmara desta cidade, que para isso fez a aquisição dum belo e vasto edifício e custeou as despesas das primeiras instalações. Esta utilíssima criação prossegue no seu notável desenvolvimento e vai sendo a pouco e pouco enriquecida com raros e numerosos exemplares especialmente da fauna marítima e ornitológica, o que já hoje constitui uma colecção preciosa, que deve ser atentamente visitada e apreciada, tendo merecido as mais elogiosas referências de pessoas profundamente versadas nos estudos das ciências-naturais.

É bom recordar que a Câmara do Funchal criou um Museu, que deveria ser principalmente constituído por produtos da história natural do arquipélago. Tudo o comprova. A larga campanha que então se fez na imprensa local, as interessantes entrevistas dum distinto oficial do exército com as várias entidades oficiais e as individualidades mais qualificadas do Funchal, a acção persistente e eficaz que várias pessoas desenvolveram por ocasião dessa criação, demonstram eloquentemente a nossa afirmativa.

É natural esta pergunta: não deveria ter sido criado um museu de arte? Responde-se: o estabelecimento fundado pela Câmara compreenderia várias secções destinadas à arte, à arqueologia, à etnografia etc., segundo o permitissem as acanhadas condições do meio. O que, portanto, se impunha, para começar, era a organização duma modesta secção de arte, adjunta ao Museu Regional de Ciências Naturais, que iria sendo aumentada e enriquecida conforme as circunstâncias ocorrentes o aconselhassem. Ainda seria consentido anexar a esse museu, outras secções julgadas necessárias e condicionadas, pelas exigências locais e pelos recursos de que o município pudesse dispor.

Veio o decreto de 7 de Março de 1932, que se ocupa apenas de museus de arte, arqueologia, etc. e que nem remotamente se refere a estabelecimentos da natureza do Funchal. Mas estaria a Câmara desta cidade obrigada a adaptar as condições do seu museu às disposições do novo decreto? Sem dúvida que poderia voluntariamente fazê-lo, mas nada se encontra nesse diploma que a isso a compelisse. E como então não existia nem existe ainda lei alguma que se oponha a que uma câmara municipal estabeleça um museu nas condições em que funciona o do Funchal, entendemos que ela procede legalmente, mantendo o seu Museu Regional no estado em que foi criado e em que actualmente se encontra. E haverá algum preceito legal, que proíba a manutenção duma pequena secção de arte adjunta a um Museu de Ciências Naturais?

Seria bom, seria útil, seria necessário estabelecer-se entre nós um Museu exclusivamente destinado a cousas de arte? Pessoa alguma medianamente culta do nosso meio social a isso se oporia, e quem pudesse realizar essa louvável ideia teria o apoio e o aplauso incondicionais de toda a gente».

A 5 de Outubro de 1933 e adjunto à Biblioteca Municipal do Funchal, instalou-se no Palácio de São Pedro, antiga casa solarenga dos condes de Carvalhal, o Museu de Ciências Naturais, com as secções suplementares de arte, arqueologia, etnografia etc. considerado como a satisfação de uma necessidade cultural do nosso meio e que as palavras acima transcritas inteiramente justificam.

A sua criação e instalação no belo edifício em que se encontra devem-se principalmente a Adolfo César de Noronha, como se verá no artigo que ao diante dedicaremos a este distinto homem de ciência.

Pessoas mencionadas neste artigo

Adolfo César de Noronha
Distinto homem de ciência

Anos mencionados neste artigo

1933
Instalação do Museu de Ciências Naturais no Palácio de São Pedro
1934
A Câmara Municipal do Funchal cria um museu de produtos das ciências naturais de carácter estritamente regional.