BiologiaHistória

Mangra da Vinha

No dia 29 de Julho de 1853, chegou ao Funchal o agrónomo João de Andrade Corvo, que depois foi um dos nossos mais distintos escritores e estadistas. Vinha comissionado pelo Governo central para estudar detidamente a doença que atacara os vinhedos desta ilha e propor as providencias que mais eficazmente pudessem debelar as calamidades que então nos assolavam.

As nossas vinhas tinham sido atacadas pelo

Oidium Tuckeri, a que o povo dera o nome de mangra. Havia poucos anos que essa doença aparecera na Europa e parece que pela primeira vez se constatou a sua existência num jardim de Inglaterra no ano de 1845. Suspeitou-se que o seu aparecimento na Madeira datasse de 1851, mas no ano de 1852 é que a doença se propagou e começou a produzir os seus terríveis estragos. Em Fevereiro de 1851, esteve no Funchal um súbdito francês e, entre a colecção de plantas que vendeu nesta cidade, encontravam-se algumas variedades de vinha, colhidas em França em localidades já invadidas pela doença. Supõe um distinto agrónomo que esta tivesse sido a causa da invasão do Oidium Tuckeri neste arquipélago.

Para nos dar uma ideia aproximada da violência da moléstia e das suas desgraçadas consequências bastará dizer que a média da produção dos vinhos nos anos de 1849, 1850 e 1851 foi de cinquenta mil hectolitros e que no primeiro ano da invasão geral da mangra, em 1852, foi de oito mil, tendo em 1853 baixado a três mil e em 1854 apenas a seiscentos hectolitros. A diferença de 1851 para 1854 é aproximadamente de 80 para 1.

Foi enorme a crise económica produzida em todo o distrito. Não era próspero o estado da ilha, que nessa época contava apenas com a remuneradora cultura da vinha. A cana sacarina cultivava-se em pequena escala. A banana e outras frutas, e também as hortaliças não chegavam para a exportação. As industrias da manteiga e dos bordados existiam em estado rudimentar e só mais tarde atingiram o desenvolvimento que hoje têm entre nós.

A crise que sucedeu á doença dos vinhedos foi das mais graves que têm assolado este arquipélago. Uma das consequências dela foi a emigração, que em alguns anos atingiu proporções assustadoras. A fome estabeleceu arraiais entre nós, com todo o seu cortejo de horrores.

Para acudir a tantos males, mandou o Governo central proceder à construção e repairos de várias estradas, empregando-se assim alguns centenares de braços, que não tinham ocupação. 0 Governador Civil do distrito, por alvará de 22 de Novembro de 1852, nomeou uma grande comissão encarregada de promover nalguns países estrangeiros uma subscrição e a aquisição de donativos, chegando a distribuir socorros no valor de trinta e sete contos e empregando durante seis meses cerca de trezentos homens em cada dia na estrada que liga o Funchal com a vila de Camara de Lobos.

João de Andrade Corvo demorou-se dois meses na Madeira e publicou em 1854 uma interessante memória acerca dos estudos a que procedera neste arquipélago e que é um trabalho que ainda hoje merece ser lido pelos estudiosos.

A mangra existe ainda nas vinhas do arquipélago e de há muito que se usa do enxofre para combatê-la. Forma manchas a principio brancas e depois acinzentadas, que aparecem nas folhas, nos pampanos e nos cachos da videira, e são produzidas pelo micélio e esporos (conídios) do fungo. O micélio vive à superfície dos órgãos verdes da vinha e emite para dentro deles pequenos sugadores, por meio dos quais se nutre.

Pessoas mencionadas neste artigo

João de Andrade Corvo
Agrónomo

Anos mencionados neste artigo

1853
Chegada do agrónomo João de Andrade Corvo à Madeira