Madeira na Torre do Tombo (A)
Ninguém ignora que o Arquivo Nacional da Tôrre do Tombo é o mais rico e abundante repositório de documentos manuscritos e originais que existe no nosso país, e, por isso também, a fonte mais segura e mais copiosa para os trabalhos de investigação histórica, que se pretendam fazer relativos a Portugal continental e ainda aos seus antigos domínios ultramarinos da Africa, da Ásia e da América.
O arquipélago da Madeira está largamente representado nesse arquivo, encontrando-se ali uma preciosa documentação, que muito conviria tornar conhecida dos que especialmente consagram os seus labores ao estudo das cousas históricas madeirenses. Não desconhecemos as dificuldades que esse empreendimento acarretaria, não somente pela falta de catalogação para a grande maioria dos documentos arquivados na Torre do Tombo, mas ainda pela avultada despesa a realizar com o pessoal devidamente habilitado, que houvesse de proceder a essas penosas e demoradas investigações.
No entretanto, alguma cousa se poderia e deveria fazer. Sirva-nos de exemplo e de estímulo o arquipélago açoreano. Quando em 1878 o ilustre micaelense dr. Ernesto do Canto iniciou a publicação do Archivo dos Açores, logo encarregou o jornalista José Torres de realizar uma exploração, embora sumária, naquele vasto arquivo, de que resultou o encontro de valiosos documentos, que foram insertos em vários volumes dessa importante publicação. Semelhantemente se deveria fazer a respeito da Madeira, limitando-se os primeiros trabalhos de investigação a uma pesquisa entre os documentos já catalogados e iniciando-se desde logo a organização dum inventário, quanto possivel completo, da documentação que interessasse á história destas ilhas. Realizado e publicado êsse inventário, ir-se-ia, a pouco e pouco e depois duma acurada selecção, dando á estampa os manuscritos de mais útil e necessário aproveitamento, conforme as circunstancias de ocasião o aconselhassem. Não faltaria, em Lisboa, ou mesmo na Madeira, uma pessoa de reconhecida probidade e competencia, que fôsse encarregada dêsse arduo trabalho, mas faltará talvez uma corporação administrativa ou uma entidade oficial que tome a iniciativa de realizar essa tão proveitosa e louvavel ideia.
Com grande aprazimento de espírito, vemos em alguns números do Arquivo Historico da Madeira publicada uma relação de documentos, respeitantes a esta ilha e pertencentes á preciosa colecção do «Corpo Chronologico» da Tôrre do Tombo, sendo de presumir que entre os oitenta e três mil documentos que formam essa colectanea se achem ainda encorporados outros documentos, consultando-se para êsse fim os doze volumes de Indice, que felizmente existem, do citado «Corpo Chronologico»,. Sabe-se também que nos livros das Ilhas, dos Misticos, das Ementas, das Confirmações Gerais e especialmente nos livros e maços das Chancelarias de todos os reis da segunda dinastia e ainda em outras colecções se encontra larga e valiosa documentação referente a êste arquipélago.
Como acima deixámos dito, o trabalho de pesquisa a realizar nas colecções da Tôrre do Tombo respeitante à Madeira deveria iniciar-se com um demorado exame nos catálogos e livros de inventários ali existentes e particularmente nos seguintes, que vemos citados num pequeno estudo histórico e descritivo do referido Arquivo:
Funchal, Alfandega, Catalogo em verbetes Cabido da Sé, Catalogo em verbetes Convento de Santa Clara e N. S. da Incarnação, Catalago em caderno Relação dos livros existentes no arquivo da Alfandega, Catalogo em caderno Relação dos livros existentes no arquivo do Cabido da Sé, Catalogo em caderno Relação dos livros existentes na repartição de fazenda do distrito, Catalogo em caderno
No mesmo estudo lemos também que na "Sala da Livraria" se encontram estes documentos:
Receita e Despesa das Obras da Relação, Alfandega do Funchal, Azamor e Ormuz, 10 maços Rendimento dos quintos do açucar da ilha da Madeira, maço único Rendimento das alfandegas do Algarve, Funchal e Marvão, maço 7 Registo pertencente á Sé do Funchal, livro único
E ainda no já referido estudo se diz que na "Sala A-Ministério do Reino" se encontram:
Alfandega do Funchal, 255 1ivros, Est. 18 e 19 Santa Clara, 16 maços, Est. 74 e 128 livros, Est. 74 Incarnação. 46 livros, Est. 75 Cabido da Sé, 23 maços e 44 livros, Est. 74
Entre os livros da Alfandega, a que acima se faz referencia, contam-se os da antiga Provedoria, que estava adjunta àquela casa fiscal e nela exercia superintendência até o ano de 1775, em que foi extinta. Os diplomas emanados do poder central, referentes á arrecadação de certas contribuições e impostos, criação de lugares e nomeações dos que deviam exercê-los, construção e reparação dos edifícios, remodelação de varios serviços públicos, etc., etc., eram dirigidos á Provedoria da Real Fazenda, que arquivava e registava êsses diplomas e em parte lhes dava execução, sendo por isso os respectivos livros de registo de grande interêsse e valor para a historia da nossa terra. Reconhece-se a importancia dêsses documentos com a leitura do "Index da antiga Provedoria da Real Fazenda. . ." volumoso in-folio existente nesta cidade, que foi há anos parcialmente publicado no Heraldo da Madeira, em que se faz uma relação sumária metodicameute exposta, dos diplomas registados em vinte e quatro volumes, que abrangem o largo período decorrido de 1566 a 1775. Esse índice deveria ser novamente reproduzido em qualquer jornal ou revista, pois que a primeira impressão saiu eivada de muitas gralhas tipográficas, aproveitando-se essa oportunidade para acompanhar a nova publicação com pequenas notas elucidativas do texto.
Com respeito aos livros pertencentes ao arquivo do Cabido da Sé do Funchal, a que acima também fizemos referencia, foi-nos facultada uma longa e interessante relação da maior parte dêsses livros, actualmente guardados na Tôrre do Tombo, que pela sua demasiada extensão não reproduzimos neste lugar. No entretanto, mencionaremos os seguintes códices, por terem pertencido a um arquivo, que o ilustre anotador das Saudades classificou de rico:
«Ano de 1525 e seguintes–Livro I.° dos acordãos e resoluções do cabido da Sé; 1538 e 1553 e seg.–Livro que trata da estada na Madeira do bispo visitado D. Ambrosio, enviado pelo arcebispo do Funchal D. Martinho e dalgumas medidas tomados por este metropolita; 1586 e seg.–Livro do Tombo; 1587 e seg. –Livro das Visitações; 1572–Livro do Compromisso; 1590–Livro do inventário da prata e ornamentos; 1568–Livro da Receita e Despeza da Fábrica, etc.»
Devem ser valiosos estes documentos apontados na mesma relação:
«Século XV em diante escritos em pergaminho e papel relativos às igrejas das ilhas da Madeira e Porto Santo e bem assim à Sé Catedral do Funchal, Maços desde o n.° 1 a 23..
Pelo que deixamos dito e pelas transcrições que ficam feitas, vê-se que não seria muito dificil reunir uma soma considerável de elementos para a organização duma relação ou catalogo dos documentos que interessam à Madeira, aproveitando-se para isso os inventários e índices já existentes, além das outras investigações a que conviria proceder oportunamente.
Haverá sessenta anos que o madeirense Roberto Augusto da Costa Campos, distinto funcionário da Torre do Tombo, visitou os arquivos de algumas repartições publicas do Funchal, fazendo a recolha, superiormente autorizado, de uns centenares de volumes, para serem encorporados no Arquivo Nacional, onde actualmente se encontram, aguardando alguns pacientes investigadores, que tornem conhecidos esses valiosos códices dos que tenham necessidade de os consultar.