Leste
Os madeirenses dão o nome de leste ao vento que sopra do lado da Costa de Africa e é acompanhado sempre de aumento considerável da temperatura e dum alto grau de secura atmosférica. Quando ele se faz sentir, o sol fica embaciado e o céu apresenta-se completamente limpo de nuvens, o que poucas vezes acontece noutras ocasiões. 0 leste começa geralmente por uma viração quente, à qual se segue um vento forte e também quente que arrasta nuvens de poeira em terra e provoca grande agitação nas águas do mar. Embora semelhante ao siroco, que sopra na região mediterrânea, é, ao contrário dele, um vento seco, o que é devido a vir muito elevado e não poder receber a humidade da grande extensão de mar que atravessa. Aves e insectos são arrastados algumas vezes pelo Leste até à Madeira, e tem-se visto em muitas ocasiões depositar-se sôbre os moveis uma certa quantidade de poeira e de areia fina e impalpável, proveniente talvez do Sara, parecendo a atmosfera tão densa quando tem em suspensão essas partículas, como se existisse uma névoa a obscurecê-la. Diz James Y. Johnson que encontrou em certa ocasião nessas poeiras seis diatomaceas e vários fragmentos de outras, todas elas pertencentes a espécies que vivem em muitos países do mundo. O Dr. Heberden viu em 1750 o termómetro à sombra marcar em ocasião de leste 22º. 7, 24°. 4 e 25°, o que nada tem de extraordinário, e o Dr. Heineken que fez observações nesta ilha desde 1824 a 1826, não viu o termómetro subir nunca durante o leste a mais de 29º. 4, embora soubesse que algumas vezes tinha ele subido a 35º à sombra e a 54°. 4 ao sol, com o referido vento. 0 Dr. Mason em 1835 viu em ocasião de leste subir o termómetro à sombra a 27°. 2 e ao sol a 58º. 8, enquanto que a mais alta temperatura à sombra observada por Roberto White, também durante o leste, foi 25° em 23 de Fevereiro de 1850. Em épocas mais recentes, as mais altas temperaturas à sombra registadas com o vento da costa de Africa foram 32°. 5 (Julho de 1882), 33°. 5 e 35º. 6 (Agosto de 1902), 37°. 3 (Agosto de 1907), 35º. 0 (Julho de 1917), 37°. 0, 37°. 2 e 38º. 4 (Agosto de 1919) e 34º. 0 (Agosto de 1920). A temperatura máxima à sombra, em 3 de Dezembro de 1920, foi 26°. 6, e a mínima 14°. 9, tendo soprado nesse dia o vento este. "Mac Euen, diz o Dr. Barral, encontrou em 17 de Fevereiro de 1849, durante o leste, 21° de diferença, entre o termómetro seco e o termómetro húmido, o que dá 18 por cento de humidade relativa na atmosfera, e o barão de Humboldt fala de 16 por cento como sendo a menor quantidade de vapor e a maior secura observada nas regiões mais baixas da atmosfera, e isto em um vasto continente». Embora o grau de secura assinalado por Mac Euen seja muito pouco frequente, é verdadeiramente extraordinária a diferença que existe entre a humidade relativa normal e a que se nota quando sopra o leste, e se indivíduos há que se não ressentem das condições atmosféricas provocadas por esse vento, mostrando até maior actividade e vigor físico quando elas se dão, outros há em quem as mesmas condições produzem incómodos sérios, os quais todavia não conduzem nunca a resultados fatais. Quando sopra o leste, os moveis secam e por vezes estalam como se estivessem expostos ao fogo, e as plantas murcham e perdem todo o seu brilho e frescura. Os animais, e especialmente as aves, parecem sofrer com esse vento, que alguns têm comparado ao samiel; ao simoon, ao harmattan e a outros ventos muitos quentes e secos que se fazem sentir no interior das regiões africanas. Embora o vento a que nos referimos venha de ESE., no Funchal, sopra sempre do lado E., o que parece ser devido a ele se curvar ou reflectir depois de haver batido nas montanhas. Quando o leste é fraco, só se faz sentir na região alta da ilha, que é a parte que é sempre directamente atingida por ele, sendo os efeitos deste vento pouco perceptíveis nos vales do interior e na costa setentrional, mesmo nas ocasiões em que ele sopra com violência na região baixa meridional. Ocasiões há em que sopra o vento norte na Ponta de S. Lourenço e o leste na cidade e noutras localidades, o que prova que este vento nem sempre é geral, muito embora se faça sentir sempre na região alta da ilha, ao menos até 1.400 metros, quando sopra na região baixa.
O leste dura 1 a 5 dias, raras vezes mais, e é seguido geralmente de chuva. Anos há em que ele não aparece e outros em que aparece mais duma vez. Quando sopra no inverno, perde uma parte dos seus caracteres desagradáveis, e os naturais apenas o notam pela grande secura que provoca na atmosfera.
No tocante aos sítios em que bate o leste ao chegar à Madeira e á direcção que ele toma depois, há muitos pontos obscuros e que no interesse da ciência conviria esclarecer, mas isto só se poderá conseguir quando se montarem postos meteorológicos nas montanhas e na extremidade oriental da ilha, e se entregar a direcção deles a indivíduos habeis e zelosos no cumprimento dos seus deveres. Na base do Pico de Teide, em Tenerife, desde 1908 que existe um observatório meteorológico que muitos serviços tem prestado á ciência, ao passo que entre nós se não dá um passo para tirar o devido proveito dum posto construído em 1895 nas proximidades do Pico do Areeiro, mas que nunca foi dotado com o pessoal e os instrumentos necessários para as observações!
Por ocasião do leste que houve no Funchal de 21 a 27 de Agosto de 1919, o vento não se fez sentir a princípio para além da Ponta da Oliveira, e quando se manifestou um violento incêndio nos pinhais do Monte e de S. Roque, observámos que o fumo, pela direcção que seguia, parecia impelido pelo vento de NE. Esse leste tornou-se particularmente digno de atenção pela sua duração e pelos grandissimos prejuízos que causou ás culturas, sendo de notar ainda que foi enquanto ele durou que se registou a mais alta temperatura á sombra observada no Funchal desde que se fazem aqui observações meteorológicas. A humidade relativa desceu a 28 por cento ás 3 horas da tarde do dia 23 de Agosto, tendo na mesma ocasião o termómetro ao sol marcado 57°, temperatura esta que não pode ser considerada como máxima, visto a maior força solar, como dissemos já quando falámos do clima, não se apresentar àquela hora, mas sim muito mais cedo. Vid. Clima (1-273).