Juntas de Paróquia
O decreto de 18 de Julho de 1835 criou as Juntas de Paróquia no arquipélago da Madeira. Chegaram a instalar-se em algumas freguesias, mas, num grande numero de paróquias, nunca funcionaram. Não sabemos se essas corporações administrativas tiveram uma acção benéfica em algumas das localidades em que foram eleitas. Julgamos que foi de todo inútil e estéril o seu funcionamento e não temos encontrado vestígios da sua administração paroquial. Pode afirmar-se que tiveram curta duração e que a sua acção foi inteiramente nula entre nós.
Depois da promulgação do Código Administrativo de 1886, que mantinha as antigas Juntas de Paróquia e lhes concedia mais amplas faculdades, pretendeu-se, dando cumprimento à lei, instalar essas corporações administrativas na Madeira.
As Juntas de Paróquia teriam sido instaladas e até desempenhado as suas funções administrativas, se a mesquinha política de campanário não houvesse aproveitado o feliz ensejo para excitar antigos ódios e exercer as mais condenáveis represálias. Levantou-se então uma aturada e tenaz oposição ao funcionamento dessas corporações administrativas, que a breve trecho degenerou em grandes violências e nos mais lamentáveis excessos.
Principalmente o receio de que as Juntas de Paróquia teriam que lançar impostos e não poderiam funcionar sem usar desse recurso por não possuírem receitas próprias, excitou a indignação popular e logo se levantou um geral clamor em toda a ilha contra as Juntas de Parreca ou simplesmente a Parreca, como o povo chamava aquelas corporações administrativas.
Lavrou então rapidamente como um incêndio uma revolta em todo o distrito, que nem sempre se manifestou na praça publica, mas que existia latente nos espíritos. Não temos conhecimento de outro sucesso que entre nós produzisse uma tão intensa e geral indignação, a não ser talvez o da epidemia da peste em 1907. Estarmos convencidos que, ainda hoje, se gente mal intencionada agitasse a questão da Parreca como estandarte de revolta, conseguiria de novo pôr em movimento os espíritos e produzir talvez graves perturbações de ordem publica (1921).
Por esse motivo, ninguém mais pensou nem pensa ainda em eleger as Juntas de Paróquia. São corporações que, para nós, só existem nas paginas do Código Administrativo. É já passado o longo período de trinta anos e outro lapso de tempo igual se passará, sem que elas representem uma verdadeira realidade para este arquipélago. E manda a verdade dizer que elas não trariam benefícios aos povos. Se algumas câmaras sertanejas e até das capitais de distrito têm feito o que nós sabemos.
A situação da Madeira era então bastante crítica. A cana de açúcar tinha desaparecido quasi completamente, e os vinhedos produziam pouco e estavam também gravemente ameaçados. 0 afastamento da navegação do nosso porto e os males de que enfermava todo o país ainda mais agravaram a situação económica do arquipélago. 0 terreno não podia ser mais favorável para fazer germinar a indignação publica com a ideia do lançamento de novos impostos. A instalação das Juntas de Paróquia, hábil mas malevolamente explorada por politicantes sem escrúpulos, foi o rastilho do incêndio, que em breve se alastrou por toda a parte.
Em muitas freguesias da Madeira, deram-se acontecimentos de muita gravidade, alterando-se por vezes a ordem publica. Em algumas delas, esses acontecimentos revestiam um carácter de manifesta hostilidade para com todos os que exerciam cargos de autoridade ou desempenhavam quaisquer funções publicas, sem exclusão das pessoas mais gradas e mais consideradas que aí residiam. Foi uma época de verdadeiro terror, vendo-se muitos obrigados a deixarem os seus domicílios e procurarem ao Funchal abrigo seguro contra os desmandos do povo revoltado.
No concelho de Sant'Ana, e em especial na freguesia do Faial, a população amotinou-se e praticou muitos desatinos, sendo vexados, maltratados e até espancados o pároco e algumas das pessoas mais respeitáveis da localidade.
Na Ponta do Sol, o povo desceu à vila em atitude ameaçadora e teria de certo praticado os mais condenáveis excessos se a força militar lhe não embargasse a passagem. Esta foi agredida e ameaçada de ser corrida violentamente à pedrada, tendo que usar das carabinas, ficando mortos cinco populares e outros feridos.
Na freguesia do Caniço, os sucessos motivados pela suposta reunião da Junta de Paróquia atingiram também proporções da maior gravidade, que tiveram as mais trágicas consequências. No dia 22 de Novembro de 1887, os habitantes daquela freguesia, em numero considerável, invadiram a casa paroquial, com o pretexto de que ali estava funcionando a Junta de Paróquia e, depois de uma busca minuciosa a toda a habitação e a todas as dependências da igreja, que ocuparam inteiramente, bem como as vizinhanças desta, ali permaneceram muitas horas em atitude ameaçadora e hostil, receando-se a todo o momento que essa atitude se desencadeasse em tremenda tempestade.
Do Funchal, chegou, ao anoitecer, ás proximidades da igreja paroquial do Caniço uma força comandada pelo capitão Luís Maria dos Reis, que pretendeu imediatamente fazer evacuar o templo, o que dificilmente conseguiu, sendo então violentamente apedrejada a tropa e caindo morto um soldado vitimado por uma grande pedra lançada do telhado da Igreja. A força armada, que usara de toda a prudência, vendo-se assim atacada, defendeu-se e repeliu a agressão, caindo varados pelas balas quatro populares e ficando muitos feridos, alguns deles mortalmente.
Do continente, vieram contingentes dos regimentos de caçadores n.° 5 e de infantaria n.° 16, comandados pelo tenente-coronel Cibrão, a fim de auxiliar as forças militares aqui aquarteladas, os quais prestaram bons serviços.
Os acontecimentos tiveram eco na imprensa do continente e nas altas regiões do poder. Os nossos representantes em cortes e alguns madeirenses residentes em Lisboa fizeram sentir ao governo central que os sucessos ocorridos na Madeira tinham principalmente a sua origem na angustiosa situação em que a ilha se encontrava e que a revolta era, na sua essência, um protesto enérgico contra o abandono a que o arquipélago estava votado por parte dos poderes públicos.
O governo adoptou imediatamente varias providencias e tomou depois algumas medidas de alcance com respeito ás obras publicas, suspensão de direitos de cabotagem, etc..
Por decreto de 31 de Dezembro de 1887, nomeou o governo uma grande comissão presidida pelo coronel de engenharia Manuel Raimundo Valadas e composta de varias entidades oficiais deste distrito e de alguns proprietários e comerciantes, tendo como secretario o Dr. Gaspar Malheiro Pereira Peixoto, secretario-geral do governo civil do Funchal.
O coronel Valadas mostrou o maior zelo no desempenho da espinhosa missão de que fora incumbido, e, no desejo de bem se orientar e de produzir trabalho útil, ouviu todos os que a ele se dirigiram, tomou em consideração os alvitres da imprensa, das corporações administrativas e ainda dos particulares, fez um estudo detalhado das causas originarias da situação em que se encontrava o distrito, e, no seio da comissão, que teve inumeras reuniões, procurou, pela discussão e exame minucioso das questões, chegar a conclusões praticas e definitivas acerca dos graves assuntos que a mesma comissão fora chamada a resolver.
O presidente da comissão escreveu e apresentou ao governo um extenso e elucidativo relatório, que se afirma ter sido um trabalho valioso e que continha indicações preciosas acerca das causas da revolta que se alastrou na Madeira e das providencias que conviria adoptar para debelar a crise de que enfermava o distrito. O governo central foi instado para que esse relatório se publicasse, mas não o permitiu nunca, consentindo apenas que os representantes da Madeira no parlamento o examinassem na secretaria do Ministério do Reino, onde se encontrava. Disse-se então, e disso se fez eco a imprensa, que o relatório continha referências a cousas e pessoas, que não convinha que fossem divulgadas.
O coronel Valadas e o contingente de 250 praças de infantaria chegaram ao Funchal a 11 de Janeiro de 1888.