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Junta Agrícola

Foi criada pelo decreto de 11 de Março de 1911. Este diploma legislativo que veio então solucionar a chamada questão Hinton, a que no respectivo relatório se faz especial referência, estabeleceu um novo regímen sacarino, que foi diversamente apreciado e deu lugar a controvertidas opiniões, mas que incontestavelmente encerra princípios e fixa disposições de tal modo úteis e salutares, que, uma vez observados, muito concorreriam para o engrandecimento e prosperidades de todo o arquipélago madeirense. Nunca deve ser esquecido que esse decreto criou a Junta Agrícola e a correlativa expropriação desses laboratórios de substancias tóxicas, que se chamam fabricas de aguardente. A criação da Junta Agrícola, diz o lúcido relatório que precede o respectivo decreto, há-de contribuir na mais larga medida para o desenvolvimento económico da Madeira, e assim decerto teria acontecido, se aos trabalhos dessa corporação não tivesse prendido algumas vezes uma errada orientação. Num país essencialmente agrícola e em que a maioria da população vive do plantio e cultura da terra, fácil será avaliar os assinalados serviços que uma corporação de carácter técnico especial e que dispõe de importantíssimos recursos poderia prestar á nossa agricultura se todas as disposições do aludido decreto tivessem sido acatadas e integralmente cumpridas. Assim não aconteceu, porém, e lá se consumiram, antes da crise calamitosa que atravessamos (1921), importâncias avultadíssimas, sem que se melhorassem as condições do povo madeirense, pondo em execução certas medidas salutares apontadas no citado diploma. O relatório do decreto de 11 de Março de 1911 refere-se à denominação de Ilha da Aguardente dada á Madeira, em virtude da abundante produção deste, tóxico e do excessivo uso que dele se faz neste arquipélago. Dessa denominação se tornou eco, dando-lhe foros de cidade, um conhecido político e estadista que, numa conferencia publica, tão pouco gentilmente tratou os habitantes desta ilha chamando-os ébrios e alcoólicos, depois de ter recebido aqui as mais altas distinções e as mais subidas demonstrações de consideração e apreço, que foram até o ponto de se lhe conferir numa solene e aparatosa sessão da Câmara do Funchal, os títulos e honrarias de cidadão funchalense, com a inauguração do seu retrato no salão nobre dos Paços do Concelho. O decreto, preconizando o alto princípio moralizador que hoje tanto preocupa os governos dos estados, de combater enérgica e eficazmente o alcoolismo, consigna uma das mais proveitosas medidas adoptadas a favor deste arquipélago – a expropriação das fabricas de aguardente. Importava isso ao bom nome da nossa terra e ia principalmente realizar-se uma grande obra social e humanitária. Já em outro lugar dissemos (1921) que na Madeira se vai notando um acentuado definhamento da raça. Na estatura, na constituição orgânica, nas forças musculares, etc., observa-se uma decadência digna de registo. O facto passa por ora despercebido ao grande publico, mas não assim aos médicos, e de modo especial aos que têm de fazer a selecção dos mancebos destinados ao serviço militar. Há, porém, um facto ainda mais eloquente e persuasivo–a assombrosa percentagem que á loucura vai fornecendo a população madeirense, segundo o autorizado testemunho da ciência. E também considerável o contingente que o alcoolismo fornece á tuberculose, sem contarmos ainda com os casos frequentes de idiotia, epilepsia, convulsões e outras degenerescências mais ou menos comprovadas. Uma parte importante dos habitantes desta ilha, que se entrega ao alcoolismo, traz já na célula a tendência imperiosa para o vicio, que encontra terreno favorável para o seu desenvolvimento na facilidade de achar á venda o terrível tóxico com que cinquenta fabricas inundam o mercado, embora vão elas ao mesmo tempo envenenando, bestializando, tuberculizando e enlouquecendo a incauta população dum distrito. A vista destas razões, sumariamente expostas, ressalta a conveniência e a necessidade dessa grande providencia, que foi a expropriação das fabricas de aguardente. Todos, porém, sabem que essa medida do maior alcance moral e social não chegou nunca a ser inteiramente adoptada. O que foi julgado absolutamente indispensável para a população negra de Angola, com a proibição do fabrico e do tráfego comercial da aguardente. foi considerado de somenos importância para os habitantes da raça branca deste nosso arquipélago da Madeira! A Junta Agrícola foi criada pelo artigo 26º. do decreto de 11 de Março de 1911, que textualmente transcrevemos: Art. 26º. É criada uma Junta Agrícola da Madeira que terá o especial encargo de gerir o fundo constituído pelo imposto da fabricação de aguardente, devendo também constituir receita desta junta as multas impostas por quaisquer infracções do presente decreto com força de lei e o que constar dos respectivos regulamentos. § único. Este fundo será aplicado ao desenvolvimento económico da Madeira, devendo uma parte ser reservada para a expropriação das fabricas de aguardente, para custear a propaganda no estrangeiro do vinho Madeira, para prover ás despesas da fundação e manutenção de uma estação agrária que venha a criar-se na ilha e para promover a reenxertia ou transformação das castas de videiras actualmente exploradas, de modo que, num prazo indicado em regulamento, os vidonhos produtores sejam apenas os que tradicionalmente compunham o tipo chamado de vinhas da Madeira». A criação da Junta Agrícola da Madeira tinha, pois, como fins especiais e expressamente determinados: 1.° a expropriação das fabricas de aguardente; 2.° a propaganda no estrangeiro a favor dos vinhos da Madeira; 3º. a fundação e manutenção duma estação agrária; 4.° a transformação pela reenxertia, das castas de videiras actualmente existentes, em ordem a torna-las nos tipos tradicionais que produzem o chamado vinho Madeira. Como já dissemos, a expropriação das fabricas de aguardente não chegou a ser iniciada (1921), cumprindo-nos acrescentar agora que a propaganda no estrangeiro a favor dos nossos vinhos não deu resultado algum satisfatório por causa da maneira pouco pratica como foi executada, e que a propagação, por meio da enxertia, das castas que produzem o tradicional vinho da Madeira não se fez na escala que seria para desejar, apesar de todos verem nela o meio de restituir á ilha uma das suas mais antigas e valiosas fontes de riqueza. O campo experimental da Bica da Cana deu poucos resultados práticos, mas manda a boa justiça que se diga que dos viveiros de Louros e da Ribeira Brava, e em especial deste ultimo, saíram muitas plantas úteis seleccionadas, e que a organização dos serviços destinados a combater os insectos e parasitas que atacam os vegetais nada deixou a desejar, tendo constituído um excelente serviço prestado aos nossos agricultores, pois lhes evitou prejuízos sem conto principalmente nas árvores frutíferas. A importância demasiada que a Junta Agrícola ligou á indústria do turismo, fê-la esquecer por vezes os fins para que especialmente tinha sido criada e consumir somas avultadas em estudos e trabalhos que só devia empreender mais tarde. No Porto do Moniz e no Paul da Serra, gastou-se sem proveito conhecido muito dinheiro, e a aquisição por preços elevados de vários montados e extensos terrenos nas nossas serras, embora se possa justificar pela necessidade de arborizar a zona montanhosa da ilha ou de aproveitar águas que estão correndo inutilmente para o mar, não mereceu a aprovação da grande maioria dos habitantes da Madeira. O frigorifico (V. este nome)

, que era um estabelecimento susceptível de prestar bons serviços à ilha, nunca chegou a funcionar por motivos que nos são desconhecidos, sendo por fim entregue à Câmara a rua onde tinham sido levantadas as suas instalações.

É interessante verificar que o decreto de 15 de Maio de 1912, que aprovou o Regulamento para a execução do decreto com força de lei de 11 de Março de 1911, estabeleceu novas disposições acerca dos fins da criação da Junta Agrícola e do seu funcionamento, alterando a sua constituição orgânica e fundamental, que lhe fora assinalada e conferida por uma lei. Impôs o citado decreto a esta corporação o encargo de proceder ao povoamento florestal das serras e ao estabelecimento duma eficaz policia rural, e o de promover todos os melhoramentos de viação, sanidade e outros que tendam a desenvolver a indústria do turismo na ilha, sendo à sombra destas disposições que se realizaram alguns dos actos que atrás deixamos apontados.

Convém notar aqui que o regulamento de 15 de Maio de 1912 coloca em ultimo lugar a obrigação de expropriar as fabricas de aguardente e que apenas consigna a decima parte dos rendimentos anuais da Junta para fazer face a essa expropriação.

Pelo citado regulamento, a Junta Agrícola ficou assim constituída: o agrónomo distrital ou o director da Estação Agraria, três representantes delegados das Câmaras Municipais, dois delegados da Junta Geral, dois delegados da Associação Comercial, um delegado da Comissão de Viticultura e o regente silvícola ao serviço da junta Geral.

O artigo 21.° do mesmo regulamento determinou que, para a fiscalização das fabricas de aguardente, seria destacado do corpo de fiscalização dos impostos o seguinte pessoal: um chefe de distrito de 1ª. classe, um chefe de distrito de 2ª. classe, dois chefes fiscais, trinta fiscais de 1ª. classe e noventa fiscais de 2ª. classe.

Para o bom e regular funcionamento da Junta Agrícola, existem três decretos datados de 28 de Dezembro de 1912, sendo o primeiro destinado a aprovar o Regulamento Interno da Junta Agrícola, o segundo o Regulamento para a expropriação das fabricas de aguardente e o terceiro o Regulamento para a cobrança do imposto da aguardente.

O segundo regulamento destrói completamente a cláusula mais importante e mais vantajosa da lei que criou a Junta Agrícola, que é a da expropriação das fabricas, pois que determina que só passados três anos depois da vigência do regímen sacarino de 1911 e quando se reconheça que em qualquer região do arquipélago madeirense desapareceu a cultura da cana, é que então se procederá á expropriação das fabricas e ainda assim quando estas o requererem. E com um traço de pena dum simples regulamento anula-se inteiramente as mais úteis e salutares disposições duma lei!

O decreto de 1 de Fevereiro de 1913 aprovou as Instruções para a propaganda dos produtos do solo madeirense e o de 8 de Março do mesmo ano deu aprovação ao Regulamento do serviço rural e florestal. Não foi por falta de regulamentos que a Junta Agrícola deixou de desempenhar cabalmente a sua missão civilizada.

Esta corporação instalou-se no dia 22 de Agosto de 1912, e teve mais nove sessões neste ano. Reuniu-se 40 vezes no ano de 1913 e 29 no de 1914. As suas receitas relativas aos cinco anos económicos de 1910-1911 a 1914-1915, foram respectivamente em números redondos, de 25, 64, 155, 149 e 121 contos.

Por portaria de 27 de Fevereiro de 1915, foi o Dr. Fernando Maria Allen Urculu Vieira de Castro, juiz na comarca de Santa Cruz, nomeado para proceder a uma sindicância aos actos da Junta Agrícola, cujos trabalhos iniciou mas não chegou a concluir, tendo o Dr. Francisco Antunes de Mendonça, por portaria de

Em 26 de Agosto do mesmo ano, sido encarregado de prosseguir a sindicância encetada e dado por terminadas as suas investigações a 4 de Novembro de 1915, que é a data do seu relatório apresentado ao Governo.

Foram longos e minuciosos os trabalhos da sindicância, ocupando a sua publicação cem paginas do Diário do Governo. O relatório da sindicância encerra-se com oito conclusões, na primeira das quais se afirma «que todos os vogais da Junta Agrícola, mesmo os que já cessaram as suas funções, procederam com honra e dignidade». Nas outras conclusões, citam-se algumas pequenas transgressões ás leis e regulamentos, que em nada afectam a primeira conclusão.

O artigo 3.° da lei de 31 de Agosto de 1915 passou para a Junta Agrícola a administração, conservação e reparação das levadas do Estado, e estabeleceu que o funcionamento da mesma Junta continuaria, sem limitação de tempo, além do ano de 1918. Pelo artigo 5.° da mesma lei, ficou a Junta com competência para aprovar o seu orçamento.

Em 2 de Setembro de 1915, apareceu um decreto permitindo á Junta Agrícola contratar com a Caixa Geral dos Depósitos o empréstimo de 100:000$ para ser especialmente aplicado à construção de estradas e hotéis de turismo, de conformidade com o preceituado no n.° 4 do artigo 3.° do citado regulamento de 15 de Maio de 1912, e, em 11 de Fevereiro de 1916, foi apresentado ao Parlamento, não sendo, porém, aprovado, um projecto de lei concedendo autonomia á mesma Junta e alargando os privilégios e regalias desta Corporação.

O decreto de 2 de Maio de 1919, que modificou o regímen sacarino, extinguiu a Junta Agrícola, tendo o decreto de 12 de Junho do mesmo ano mandado transitar o seu pessoal para a 9ª. região agrícola, a cargo da Junta Geral do Distrito.

Pessoas mencionadas neste artigo

Dr. Fernando Maria Allen Urculu Vieira de Castro
Juiz na comarca de Santa Cruz
Dr. Francisco Antunes de Mendonça
Por portaria de

Anos mencionados neste artigo

1911
Criação da Junta Agrícola
1912
Junta Agrícola instalou-se
1913
Decreto aprovou as Instruções para a propaganda dos produtos do solo madeirense
1914
Junta Agrícola reuniu-se 29 vezes
1915
Portaria nomeou Dr. Fernando Maria Allen Urculu Vieira de Castro para proceder a uma sindicância aos atos da Junta Agrícola sindicância encetada e dado por terminadas as suas investigações
1918
Funcionamento da mesma Junta continuaria, sem limitação de tempo
1919
Modificou o regímen sacarino, extinguiu a Junta Agrícola
1921
Crise calamitosa